Autor: Filipe Manuel Neto
**Um drama de baixo orçamento tenso, competente, mas que não tem muito para nos mostrar.**
Este filme é um drama ambientado na fronteira entre os EUA e o Canadá, mais concretamente entre o estado norte-americano de Nova Iorque e o canadiano Quebec. A história é um drama muito bem construído, que começa por nos apresentar as dificuldades financeiras vividas por Ray Eddy, uma mulher recentemente abandonada pelo marido (que fugiu com as economias familiares). Após um incidente fortuito com o carro, ela conhece Lila Littlewolf, uma indígena Mohawk, que vive numa reserva indígena, um território com regras específicas e jurisdição policial própria. Será Lila quem vai auxiliar Ray, introduzindo-a a um modo de vida arriscado, mas lucrativo: o transporte de imigrantes ilegais através da fronteira.
O filme aposta sabiamente na criação de um ambiente de tensão e dramatismo. O modo como nos apresenta às dificuldades financeiras da protagonista é convincente e a forma como ela vai reagindo aos problemas é igualmente verosímil. O drama familiar é muito bem explorado, com o tráfico de seres humanos a ser retractado não apenas como um crime, mas como algo que se julga necessário para sobreviver. Há, todavia, vários momentos ao longo do filme que custam a tornar-se credíveis, e onde a lógica das atitudes e comportamentos das personagens é forçada. É o caso da situação com o bebé, ou da maneira como as duas mulheres ameaçam um mafioso com uma arma para não serem ludibriadas no pagamento que lhes era devido. São momentos pontuais em que, em abono de um maior dramatismo (que também era necessário), o filme arriscou perder a coerência lógica que mantinha. Infelizmente, o filme não consegue ir muito além disso e tem pouco sumo para uma história mais apelativa.
O elenco é competente e Melissa Leo revelou-se uma boa escolha para a protagonista. Ela conseguiu encarnar a personagem e parecer comum, igual a qualquer mulher de meia-idade, de origens modestas. De facto, ela deu à personagem uma personalidade forte, combativa, afeita às agruras de uma vida de contrariedades. O trabalho de Leo é contrabalançado por Melissa Upham, competente no papel da indígena Lila. Ela foi boa o suficiente, mas a personagem não teve um desenvolvimento tão feliz e deixa muitas perguntas no ar como, por exemplo, a razão pela qual começou a transportar imigrantes, e quais as consequências para a reserva se tivesse tentado protegê-la das autoridades formais. O restante elenco limita-se a papéis simples, algo unidimensionais e limitados.
Tecnicamente, é um filme discreto, com pontos interessantes. Ambientado durante o Inverno, o frio, a neve e o gelo são constantes e foram inteligentemente aproveitados na construção de uma cinematografia de cores frias, cinzas e azuladas, e baixo contraste. Há uma série de cenas nocturnas e no interior de automóveis, mas eu penso que o filme não foi capaz de nos passar a sensação de um ambiente fechado, capsular e pequeno como o de um carro. O ritmo do filme é razoavelmente lento, e isso pode saturar algumas pessoas, mas dá ao filme mais tempo para a construção do ambiente pesado e dramático em que assenta. Os cenários e figurinos não são notáveis, mas encaixam-se na história, e eu senti que o filme não gastou muito com isso e que jogou com um orçamento muito limitado.
Em 23 Jul 2021