Autor: salgadobiah
Amores Materialistas é como a Caixa de Pandora: brilhante, chamativa, mas carregando dentro de si algo muito mais denso e sólido.
Antes de escrever esta resenha, li alguns comentários e análises sobre o filme, o que me ajudou a amadurecer minhas próprias ideias. Entre eles, um em especial, publicado no TikTok por **Geovana Hávilla (@geovanahavilla)**, me chamou bastante atenção:
> _Amores Materialistas não é sobre a escolha da Lucy, é sobre o capitalismo e tudo que o envolve: dinheiro, pressão estética para ascender socialmente, etarismo. Lucy, que sempre usou o materialismo como escudo, enfrenta a dificuldade de admitir que seus critérios não garantem felicidade. O filme mostra aquilo que Bauman teorizou: o amor virou mais um item de consumo na sociedade moderna, perdendo profundidade e estabilidade. Não é um filme perfeito, mas está longe de ser um clichê, é um filme que gera discussões necessárias e, por isso, eu achei incrível! Celine Song é uma diretora com visão única e “fora da caixa” para histórias de relacionamentos._
O que mais me marcou nesse comentário não foi apenas a forma como o filme aborda o capitalismo, mas a expressão **“gera discussões”**. De fato, a obra nos confronta com duas visões muito fortes: de um lado, a percepção de que o amor se tornou apenas mais uma engrenagem dentro do capital, algo padronizado e sufocado por expectativas sociais; de outro, a maneira como os personagens insistem em ignorar suas diferenças de perspectiva e de metas de vida em nome de um ideal romântico.
Logo no início, vemos como o filme utiliza a necessidade humana de amor como motor do capital. Pessoas recorrem a uma casamenteira para ajudá-las a encontrar o “marido dos sonhos”, numa dinâmica que lembra o retrato do casamento arranjado em **Mulan (1998)**. Só que aqui o foco é outro: a sociedade que prioriza formas, aparências e padrões como requisitos para alcançar aquilo que mais desejam — o homem ou a mulher ideal. Mas, na mesma moeda, enxergamos como essas escolhas, moldadas pelo mercado e pela lógica do consumo, acabam por limitar e esgotar.
Nesse ponto, é impossível não pensar em como as mulheres são ensinadas a aceitar menos — menos estabilidade, menos reciprocidade, menos segurança —, mesmo quando esse “menos” as esgota financeiramente e emocionalmente. Lucy encarna esse dilema: enquanto ele tem espaço para sonhar e planejar, ela é constantemente pressionada a ajustar seus desejos, seus gastos e até sua visão de futuro em prol do relacionamento. O amor, então, deixa de ser refúgio e passa a ser mais uma cobrança.
Amores Materialistas não é apenas um filme sobre relacionamentos; é sobre como a desigualdade de expectativas e a lógica do consumo corroem até mesmo o que deveria ser afeto. É sobre como, muitas vezes, o amor é romantizado como suficiente, quando na verdade o peso de aceitar menos — sempre menos — recai sobre as mulheres.
Em 27 Sep 2025