Autor: Filipe Manuel Neto
**Problemas sérios de harmonização.**
Depois do enorme sucesso de Mr. Bean, era razoavelmente previsível que, mais tarde ou mais cedo, iríamos ver Rowan Atkinson a desempenhar as suas tropelias habituais numa produção cinematográfica. Porém, e apesar dos esforços do actor, a verdade é que nunca seria a mesma coisa, nem poderia ser, e às vezes as piadas são tão forçadas que acabam por simplesmente perder a sua eficácia.
Neste filme, Bean arranjou trabalho na National Gallery, de Londres. Um trabalho que é aparentemente seguro, se considerarmos que a personagem se mete em confusões até nas tarefas mais simples: ele é vigilante e fica sentado numa cadeira enquanto os visitantes e turistas circulam. O problema é que, tratando-se de Bean, sabemos que as coisas se vão complicar quase por artes mágicas: e os directores da galeria ficam muito felizes quando os curadores de um museu californiano adquirem uma notável pintura de um autor norte-americano e um perito para falar sobre ela numa cerimónia de apresentação: Bean é quem os directores mais desejam ver pelas costas, portanto eles nem sequer hesitam. A partir daqui, o desastre está à espera de acontecer.
Vamos ser sinceros: o filme é engraçado e funciona razoavelmente bem. É uma comédia de boa qualidade, e que também teve êxito nas bilheteiras (embora isso não seja sinónimo de qualidade, porque também é verdade que há muitos filmes bem piores, como “Ted”, que também se venderam bem). Não lhe podemos apontar defeitos que não tem de todo. Para mim, o maior defeito deste filme é o público, que criou expectativas muito elevadas à custa do sucesso gigantesco da mini-série de catorze episódios (apenas!) que Atkinson corporizou nos anos 90. Quem estiver à espera de ter a mesma experiência com este filme vai ser sempre decepcionado. As coisas não são iguais, não funcionam da mesma forma e tudo é um pouco mais exagerado e forçado. Porém, seria difícil para uma produção norte-americana fazer um filme longa-metragem com Bean de outra maneira.
O filme tem um grande cuidado e atenção com os cenários, a cinematografia, os figurinos e os efeitos utilizados, mas está ainda assim dentro do “standard” dos filmes ligeiros que os EUA lançavam nesta época. Não é nada de verdadeiramente excepcional. Ao longo do filme, acontecem situações que procuram recriar o estilo de humor de Atkinson, que faz o possível para evitar falar, mas ainda tem de o fazer ocasionalmente. Podemos dizer que o actor fez um enorme esforço, mas que também encontrou problemas para adaptar a sua receita ao estilo cinematográfico norte-americano. É como tentar vestir uma criança com o fato de um homem adulto: vai parecer bizarro, desarmónico e feio, mas ela está vestida.
Pelo meio, temos ainda a destacar positivamente o trabalho de Peter MacNicoll, e claro, sendo eu um historiador e um apreciador de arte, tenho de parabenizar o aproveitamento da ocasião para dar a conhecer ao grande público uma magnífica pintura que realmente existe: Arranjo em Cinza e Preto nº 1. Ela foi pintada por James Whistler e pode ser vista no Museu de Orsay, em Paris.
Em 05 Mar 2024