Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme excelente, ainda que vincadamente politizado.**
Penso que este filme foi realmente o meu primeiro contacto com a obra de Guillermo del Toro, director mexicano que tem feito um trabalho colossal aproveitando temas fantásticos nos seus filmes. Este filme foi um dos projectos mais acarinhados do director, e podemos sentir o quanto ele se empenhou e investiu nele. Apesar de ser um filme de fantasia e de ser protagonizado por uma menina, o filme é bastante intenso e não é absolutamente adequado a crianças menores.
Toda a acção se passa nos anos finais da Guerra Civil Espanhola: acompanhamos Ofélia, uma menina sonhadora e de bom coração, que viaja até um local remoto da Espanha rural com a sua mãe, a fim de se juntarem ao Capitão Vidal, um oficial superior do exército franquista de quem a sua mãe engravidou e que ocupou um moinho abandonado com um batalhão para dar caça a um grupo de "partisans" comunistas. Desde o início, é bastante claro que Ofélia antipatiza com o seu padrasto e que a sua mãe está determinada a fazer esquecer o seu verdadeiro pai, já falecido, forçando a menina a tratá-lo como pai contra a vontade dela. Indiferente aos combates e questões políticas, Ofélia persegue e encontra um mundo mágico na floresta ao redor do seu novo ‘habitat’. Ali, conhece um fauno que lhe diz que ela é, na verdade, uma princesa, filha do rei do Mundo Encantado, que há muito saiu e se perdeu no mundo humano, vivendo sem conhecer a angústia e saudade do seu verdadeiro pai. A fim de voltar, ela precisará de realizar três desafios e, assim, provar que a sua alma continua pura, isto é, que não se transformou numa humana.
Se quisermos fazer uma análise fria e duramente realista, este filme vai esboroar-se depressa e mostrar várias fraquezas. A mais evidente, para mim, é a absoluta insanidade de um militar que insiste em levar para terreno de combate a sua companheira, em estado terminal de gestação, e uma criança menor. Também não gostei de sentir que o filme acaba sendo tão politicamente carregado, com os guerrilheiros comunistas a serem arvorados a campeões da liberdade e com a diabolização absoluta dos soldados franquistas. Qualquer pessoa sabe que não há santos numa guerra e que as atrocidades se cometem sempre de ambos os lados. Mas eu sinto que estaremos a ser injustos se continuarmos a ver o filme sob esta perspectiva. Apesar de tudo isto, estamos perante um trabalho cinematográfico encantador e carregado de magia e onirismo, que nos faz querer acreditar de novo em contos de fadas, estar na pele daquela menina.
O filme conta com um excelente elenco de actores hispânicos (não sei se são todos espanhóis de facto) e é totalmente falado em espanhol, o que para mim foi um bónus na medida em que dá ao filme um realismo adicional muito bem-vindo. Ivana Baquero fez um trabalho excelente na pele da jovem Ofelia. Apesar de não dar a cara, muito bem disfarçado, Doug Jones é o homem que dá corpo, alma e vida a duas das personagens mais memoráveis do filme: o sábio fauno e o terrível Homem Pálido, um monstro que quase devora a protagonista. Jones dá-nos um dos seus melhores trabalhos em cinema. Surpreendentemente calmo e assustador, Sergi López tornou o seu Capitão numa personagem digna do nosso ódio e desprezo. A juntar a estes três actores de grande qualidade, o filme conta ainda com excelentes interpretações de Ariadna Gil, Maribel Verdú, Álex Angulo e César Vea.
Sendo um filme de Del Toro, é garantido que vamos ter um amplo leque de efeitos visuais, CGI e caracterização, todos de altíssima qualidade e privilegiando ao máximo o realismo. De facto, não podíamos pedir mais no que diz respeito a tudo isto. Há uma série de recursos CGI discretos e realistas, que vão das explosões e do verde intenso da floresta ao próprio labirinto, fantástico e irreal, onde acontece parte importante da história. Os figurinos são muito bons, especialmente os vestidos de Ofelia e as fardas dos soldados. Os cenários, com destaque para o labirinto e para o moinho, são maravilhosos e a caracterização das personagens fantásticas foi pensada nos menores detalhes. A cinematografia faz um uso inteligente da cor, da sombra, da luz e ângulos de filmagem para obter uma maior expressividade e simbolismo visual. Não menos importante é a excelente banda sonora, com destaque para a melodia central, que tem uma sonoridade que nos faz lembrar as canções de ninar que as mães cantavam para as crianças.
Em 13 Feb 2022
Autor: Pedro Quintão
Revisitei recentemente O Labirinto do Fauno, um filme que marcou a minha adolescência. Lembro-me bem dessa fase da minha vida, em que o cinema era o meu maior refúgio nas horas em que não estava com os meus amigos, posso dizer que foi praticamente a minha zona de conforto sempre que estava em casa. Via praticamente tudo o que aparecia à frente, sem pensar muito se iria gostar ou não. Havia tempo, não havia smartphones para roubar atenção, nem a responsabilidade de gerir uma página de cinema. Era frequente ver dois ou três filmes numa tarde e mais dois à noite. Hoje, tenho pouco tempo livre e já não consigo fazer isso, tento ser mais seletivo e assistir apenas ao que realmente quero ou a algo que me faça sentir curiosidade, mas olho para trás com nostalgia e também com a sensação de que foi nesse período que construí a base do meu olhar sobre o cinema. Mas pronto, vamos à crítica a esta obra-prima.
É curioso perceber que, mesmo tantos anos depois, continuo a adorar O Labirinto do Fauno. Guillermo del Toro criou uma fábula para adultos que permanece intemporal. Fascina-me a forma como o filme nos deixa em dúvida: aquele mundo de Ofélia existe mesmo, ou é apenas fruto da sua imaginação? Essa ambiguidade é a parte essencial do que torna a narrativa tão poderosa. O final, em particular, é um dos melhores exemplos de como um filme pode entregar uma resposta e, ao mesmo tempo, manter espaço para interpretações pessoais.
O mundo da fantasia neste filme é limitado em quantidade, mas riquíssimo em qualidade. Não há o mesmo número de criaturas que encontramos em The Lord of the Rings ou Harry Potter, mas as que aqui vemos são absolutamente inesquecíveis. O Fauno e o Pale Man são dois dos designs mais impressionantes de sempre, tão icónicos que permanecerão eternamente entre as minhas criaturas favoritas do cinema. Além disso, é neste universo mágico que somos fascinados pela sua atmosfera mística e conhecemos a ingenuidade da protagonista, a Ofélia, vivida por Ivana Baquero, ainda muito nova, mas extremamente talentosa, numa das minhas interpretações infantis favoritas.
No entanto, o filme não vive só da fantasia. O retrato da Guerra Civil espanhola e das tensões sociais e políticas do período são tão envolventes quanto o lado mágico. É aqui que conhecemos outras personagens como a lutadora Mercedes (Maribel Verdú) e o temível Capitão Vidal (Sergi López). É neste arco narrativo que estas e outras personagens secundárias são desenvolvidas calmamente com o tempo certo e, sobretudo, com realismo. Há um equilíbrio magistral entre dureza histórica e imaginação fantástica. Nem todos os filmes conseguem essa proeza.
Guillermo del Toro tem cuidado na história que pretende contar, nota-se o perfecionismo do realizador desde os diálogos todos interpretados por grandes atores, passando pela belissima cinematografia que usa cenários de tirar o folego, passando pela direção artística que acompanha a história e terminando na banda sonora arrepiante. Não consigo encontrar algum defeito nesta obra-prima. Aliás, no meio disto, quero salientar os efeitos visuais, que mesmo sendo um título de 2006, é superior a muitas produções atuais.
Para mim, O Labirinto do Fauno continua a ser uma obra de arte e um dos melhores exemplos de como o cinema pode unir fantasia e realidade sem que uma anule a outra. Não ocupa o meu primeiro lugar, pois tenho a certeza que esse pertence a The Substance, mas está seguramente no meu top 5 dos melhores filmes da minha vida.
Em 07 Sep 2025