Autor: Filipe Manuel Neto
**Um dos filmes mais notáveis e disruptores sobre o Holocausto.**
A Segunda Guerra Mundial e o Nazismo são temas que o cinema explorou abundantemente, e a lista de bons filmes cresce a cada década. A particularidade que torna este filme notável é que nos leva a ver tudo pelos olhos inocentes de uma criança, que não consegue perceber o que está realmente a acontecer, e até que ponto a sua própria família está envolvida nas barbaridades que nós sabemos que aconteceram.
Bruno é uma criança que vive uma infância protegida e despreocupada. Ele é filho de um oficial do exército alemão, e a família é abastada. Ele sabe que o seu país está em guerra e que o pai é importante, e está a ajudar o país a vencer a guerra. Mas isto é basicamente tudo o que ele sabe ou compreende acerca do que se passa na Alemanha do seu tempo. Quando o pai recebe ordem para ir para o campo, Bruno fica bastante triste por deixar a sua casa e os seus amigos, mas vai conhecer uma criança estranha, que usa um pijama listado e vive dentro de um recinto vedado, que a sua mãe não quis que ele visse. Ela é a única na família a compreender realmente o que o seu marido está ali para fazer, e a única a protestar contra tudo aquilo.
O filme é baseado num romance escrito por John Boyne, mas, não obstante o material de origem e a fidelidade do filme ao mesmo, eu posso questionar até que ponto uma criança de dez anos podia realmente estar imune às avalanches de propaganda nazi, considerando que o seu pai era um oficial de alto escalão e a família tinha naturais conexões políticas ao regime de Hitler. Não quero com isto dizer que discordo da inocência de Bruno e da forma como ele desconhece o que realmente se passa, mas simplesmente parece-me difícil de acreditar, posto que os nazis usaram todos os meios, incluindo organizações de juventude e o próprio ensino público, para veicularem a sua ideologia aos mais jovens.
O elenco faz um trabalho verdadeiramente notável. O destaque vai, naturalmente, para Asa Butterfield e Jack Scanlon. Os dois jovens actores souberam trabalhar perfeitamente e criaram uma correlação de trabalho muito boa, que dá credibilidade à amizade das suas personagens. É o esforço deles que torna o filme particularmente tocante e humano. David Thewlis também fez um trabalho extraordinário, encarnando na sua personagem a contradição de um pai de família amoroso e cuidadoso que tem responsabilidade no massacre, planificado e meticuloso, de uma enorme quantidade de pessoas. É um monstro? Foi transformado num? Em claro contraponto, Vera Farmiga dá vida a uma mãe e esposa corajosa, que se vê na necessidade de proteger os seus filhos de uma realidade com a qual ela não pode concordar, e na qual o seu marido está totalmente imerso. Ela é, como Bruno, capaz de ver o lado humano e inocente das pessoas que o seu marido diz não serem “realmente pessoas”, ainda que tenha de eventualmente silenciar o que realmente pensa sobre as políticas alemãs, a fim de não sofrer as consequências. Amber Beattie, por outro lado, mostra-nos o que aconteceu a muitas crianças e jovens alemães, vítimas da massiva propaganda nazi desde cedo. Não obstante, ela é humana, e o interesse amoroso por um jovem das SS revela-o, embora a faça embarcar ainda mais no delírio nazi. O filme conta ainda com a participação muito relevante de Rupert Friend e David Hayman.
Filmado maioritariamente em locais ao redor de Budapeste, o filme tem uma cinematografia muito bonita, vívida, colorida e luminosa, que se vai esbatendo e sombreando à medida que o filme caminha para o final. Há um contraste notável entre a casa de Bruno na cidade (cores mais quentes, mais luz) e a soturna casa para onde vai depois (cores lavadas, sombras, menos luz e um ambiente muito mais pesado e tenso). Os cenários, os figurinos e os adereços são bons e de acordo com a época e o contexto. Não observei erros de anacronia. A banda sonora, assinada por James Horner, é memorável e fica no ouvido.
Em 18 Mar 2022