Autor: Filipe Manuel Neto
**O Inferno de Ron Howard.**
Dan Brown tem feito muito dinheiro com os seus livros de mistério e a sua popularidade levou a que, virtualmente, todas as suas histórias tenham sido transportadas para o cinema. Para este filme, Ron Howard adaptou o quarto romance de Brown, ambientado entre Florença, Veneza e Istambul. No roteiro, Robert Langdon acorda num hospital de Florença e descobre ter sido alvo de um ataque e baleado, e estar a ser perseguido por saber algo importante, mas ter perdido a memória. Isto é, ele sabe tanto quanto nós! Vai ser uma atraente médica que o vai ajudar a entender o que se passa: gradualmente, percebemos que um maluco maltusiano resolveu criar um vírus para dizimar um terço da raça humana, e que está prestes a disseminá-lo.
Se nos filmes anteriores com base em Brown tivemos sucessos assinaláveis, este filme estaria condenado desde o começo: “Inferno” é talvez o livro menos inspirado e mais mal escrito deste autor. E nestas coisas não há milagres: ou o material de origem é bom, ou nada feito. O roteiro é, também, uma adaptação sofrível e infeliz. Por quê? Porque altera totalmente o fim do livro e dá-nos um final alternativo, cliché e idiota, mantendo-se fiel ao início da história, que começa de modo excessivamente abrupto para funcionar bem na tela. Isto é, o roteiro muda coisas que deveria deixar quietas e respeita a parte do livro que mais carecia de adaptações! Os diálogos e a construção das personagens também soam mal e tudo tem uma aparecia mal acabada.
Ron Howard tem razões para olhar para este filme e enterrar a cabeça na areia como se fosse uma avestruz. Para um director da craveira dele, com o palmarés que ele apresenta, este filme é simplesmente inaceitável. O amadorismo, a displicência, a forma quase negligente com que os detalhes são abordados… eu perdoaria isto a um novato ou a um director sem talento, mas a Howard não.
O elenco conta de novo com a participação de Tom Hanks no papel do simbologista. Mantendo o seu registo impecável, o actor cumpre perfeitamente o papel e dá-nos tudo aquilo que deve, num trabalho empenhado e consistente. Felicity Jones também fez um bom trabalho, com uma hábil harmonia entre a racionalidade e a emotividade. O resto dos actores fica muito abaixo: Omar Sy e Ana Ularu pouco acrescentaram e têm pouquíssimo tempo de tela; Irrfan Khan e Sidse Knudsen fazem um pouco mais e melhor, mas mantêm-se em posições muito secundarizadas. Ben Foster praticamente não conta para nada.
Tecnicamente, o filme depende largamente da tela verde, do CGI massivo e dos efeitos visuais e especiais. Sem eles, o filme desaba como um castelo de cartas. Não costumo ver problemas no recurso a estas tecnologias, elas podem verdadeiramente enriquecer um filme, mas aqui, eu creio, tornaram o filme como uma espécie de videojogo gigante onde tudo é a contra-relógio e onde há perigos tão variados que não os sentimos nem vemos qualquer ameaça. Os cenários e os figurinos estão bastante bem, e a escolha dos locais de filmagem respeita as ideias e locais que o livro visitou. Também a banda sonora, novamente de Hans Zimmer, está perfeitamente adequada. Infelizmente, a cinematografia é dirigida de modo irreflectido e deselegante, e todo o trabalho de edição sente-se apressado, excessivo e demasiado bruto.
Em 04 Jan 2023