Autor: Filipe Manuel Neto
**Discreto, elegante, modesto… podiam mostrar filmes destes aos patetas que atiram sopa de tomate aos quadros dos museus!**
A arte existe desde que o ser humano aprendeu a compreender a beleza do mundo ao seu redor, e a captá-la, a imortalizá-la sobre uma superfície. Inicialmente, foi nas paredes das cavernas, em que os nossos mais remotos antepassados fizeram representar os animais com que conviviam, as caçadas que faziam e a si mesmos. Em cores vivas ou simplesmente gravando na pedra, foi o nascimento da arte como conceito, e o florescimento das civilizações, a evolução das sociedades e o aprimoramento das técnicas levou a uma explosiva e incrível evolução na expressão artística, e a um enormíssimo legado que nós hoje, cuidamos muito mal. Custa-nos entender, agora, em pleno século XXI, que a arte é um bem público, não é pertença exclusiva de um museu ou de um dado coleccionador. Eles são apenas guardiões, por vezes temporários, de algo que é muito mais universal e que deve ser estimado, valorizado e apreciado. E neste meu raciocínio entram ainda os objectos e edifícios de valor histórico e etnográfico, os vestígios arqueológicos e até os fundos documentais e arquivísticos. Não sendo arte, constituem juntamente com ela um grande acervo cultural que é, na sua essência, a nossa memória colectiva. Como historiador, eu sou um dos que devota a vida a cuidar, a estudar, a preservar e a divulgar essa memória.
Este filme, sendo uma comédia muito leve e engraçada, mostra bastante bem o impacto que a arte pode ter na vida de alguém, se nos permitirmos deixar tocar por ela. O roteiro, leve e bem escrito, junta três seguranças de um museu que, inconformados pela venda das suas três obras preferidas para um museu dinamarquês, decidem roubá-las antes de serem levadas embora. O plano passa pela sua substituição por cópias idênticas, e as coisas, como é recorrente neste tipo de filmes, não vão correr bem sem que hajam várias peripécias engraçadas, e sem que o plano, por várias vezes, corra sérios riscos de fracassar. Espirituoso, é um filme ligeiro, mas que mostra o carinho que a arte merece de todos nós. Sinceramente, eu mostraria este filme àqueles grupos de patetas novos-ricos mimados que andam a atirar puré de batata, sopa de tomate e quejandos aos quadros dos museus!
O filme congregou três grandes actores para os papéis principais: Christopher Walken, Morgan Freeman e William Macy. Cada um deles deu o melhor de si, e conseguimos perceber muito bem que eles até se divertiram a trabalhar neste projecto. Marcia Gay Harden também está presente e dá um bom apoio ao trio, mas mantém-se discreta. O filme não é particularmente original, até me fez lembrar um pouco “Ocean’s Eleven” ou “Thomas Crown Affair”, e todo o assalto tem um certo grau de credibilidade: não é um plano complicado ou rocambolesco, mas algo que poderia ser credivelmente concretizado. Todavia, nem tudo foi assim tão bom: o maior problema deste filme é a sub-trama doméstica de Walken e Harden, onde nem tudo é devidamente explicado; as personagens (com excepção de Walken) também não são muito exploradas e o seu passado e personalidade não é revelado. Mas sendo uma comédia, eu acho que é um problema menor.
Tecnicamente, é um filme muito bom, considerando o orçamento relativamente baixo, e o facto de ter ido directamente para vídeo, sem passar pelas salas de cinema. Normalmente, isso é algo que se faz a filmes muito básicos, mas este filme até teria merecido uma sessão da tarde num qualquer “multiplex”, porque fez render cada moeda e não aparenta a modéstia, embora seja um filme discreto que vai, seguramente, ser esquecido rapidamente. Filmado em vários lugares entre Boston e Porto Rico, tem bons valores de produção, bons cenários, bons figurinos e uma boa cinematografia. As piadas são bastante discretas, nem sempre funcionam e não vão fazer rir os adeptos de um humor mais descarado. A banda sonora é igualmente eficaz.
Em 22 Dec 2022