Autor: Filipe Manuel Neto
**Um dos grandes ‘westerns’.**
Os filmes "western" feitos em co-produção por italianos e norte-americanos (chamados “western-spaghetti”) têm sido considerados do melhor que surgiu dentro do seu género, combinando inteligentemente a acção dura dos pistoleiros do Oeste Selvagem com o gosto pelo realismo cru e a atenção aos detalhes dos cineastas italianos. Acredito que tal coisa possa desagradar aos norte-americanos que consideram o cowboy uma figura que é realmente dos EUA. Convido-os, por isso, a visitarem a cidade brasileira de Barretos ou ainda as áreas rurais de Goiás, Mato Grosso e Tocantins, também no Brasil. Por lá há abundância de cowboys… só lhes faltam as armas.
Sergio Leone é uma figura incontornável aqui, tendo sido o principal responsável pelos maiores “spaghetti” já feitos. Neste filme, o director volta a dar-nos um trabalho notável e pleno de qualidades. Não o considero o melhor da sua carreira nem o melhor “western spaghetti” já feito, mas tem definitivamente lugar no pódio. O filme começa muito bem, com o massacre de um imigrante irlandês e da sua família, o que deixa nas mãos de uma segunda esposa – sim, o homem era secretamente bígamo – uns hectares de deserto sem interesse, mas há gente disposta a matar por aquelas terras. É que o irlandês comprara os terrenos no único lugar viável para a passagem da ferrovia, e adquirira até direito a fazer ali uma estação e urbanizar o terreno! Pelo meio, temos ainda um pistoleiro em busca de vingança pessoal e outro, a soldo da própria ferrovia.
Vamos abordar as coisas com franqueza: o filme é bom. É um clássico por direito, quase obrigatório para qualquer apreciador de cinema, o que não significa que seja obrigatório gostar-se dele! Não é um filme perfeito, tem problemas de que falaremos adiante, mas é igualmente dotado de características e qualidades que merecem ser valorizadas.
A cinematografia é muito elegante, com boa luz e cor. Os cenários e figurinos são lindos ainda que seja francamente difícil datar o filme. Além de o roteiro não estabelecer datas ou uma cronologia rigorosa, nota-se que a preocupação do ‘designer’ de produção e dos figurinistas foi a estética ao invés do rigor histórico porque há uma mistura de adereços, vestuário e objectos de 1870, de 1880 e de 1860. É um problema menor? Sim, mas não deixa de ser um problema e um sinal do desleixo com que muitas produções ainda vão encarando o rigor histórico actualmente. Os efeitos visuais e especiais são aproveitados da melhor forma e a banda sonora, atmosférica e verdadeiramente impactante, é um dos trabalhos mais poderosos de Ennio Morricone. Infelizmente, a edição do filme não foi a melhor, com cortes tão abruptos e violentos que quase nos levam a crer que o filme foi cortado "a posteriori" por qualquer motivo. E talvez o maior problema acabe por ser a sua construção excessivamente lenta e irritante, com cada cena a durar mais três minutos do que o necessário e a duração do filme a atingir três horas sem necessidade.
Só podemos dizer bem do elenco: entre uma vasta sucessão de italianos desconhecidos e sem grande relevância, movem-se alguns actores de gabarito que não nos decepcionam e dão-nos interpretações magníficas. Charles Bronson é um durão de bom coração, com um carisma monstruoso que rouba as nossas atenções sempre que aparece. Henry Fonda é eficaz como vilão, mostrando a enorme versatilidade do actor. Claudia Cardinale, uma das musas do cinema de então, combina uma resiliência de espírito impressionante, uma dose elevada de carisma e uma beleza que ainda hoje é relembrada. Jason Robards tem a difícil tarefa de ser o bondoso útil que acaba mal para glorificar o herói, mas aproveita a oportunidade para mostrar todo o seu valor enquanto actor.
Em 22 Jun 2023