Autor: Filipe Manuel Neto
**Melancólico, nostálgico, dramático e tenso, este filme foi muito bem feito e tem actores de grande nível, num trabalho de qualidade e mérito.**
Este é um filme indubitavelmente tenso, em que a história de um crime de homicídio que não foi resolvido serve de pano de fundo para um drama muito mais profundo e elaborado, onde a mãe inconsolável da vítima procura, por todos os meios, forçar a polícia local a investigar a sério o que aconteceu à sua filha. Não é o primeiro filme onde a polícia passa por vilã, mas está longe de ser um filme ligeiro, com heróis simpático e vilões execráveis. O filme esforça-se por criar e destacar os matizes da trama e de cada uma das personagens.
Lembro-me perfeitamente que este filme foi um dos pesos pesados da cerimónia dos Óscares de 2018, e um dos grandes candidatos ao Óscar de Melhor Filme. Não ganhou a estatueta, nem boa parte das indicações recebidas, mas saiu do Dolby Theather com dois prémios em categorias importantes: Melhor Actriz e Melhor Actor Secundário. Pessoalmente, acredito que o filme teria sido também um justo merecedor do prémio de Melhor Roteiro Original, posto que o diferencial do filme, para mim, é dar-nos um roteiro com uma história elegante e bem feita, com drama e profundidade, e em que cada personagem mereceu um olhar atento e um desenvolvimento interessante. O maior problema deste roteiro incrível acaba por ser, de facto, o final aberto e a sensação de que não dá ao público a conclusão que este espera ver. Não se trata de querer um final feliz… trata-se tão-somente de querer um ponto final e não apenas umas reticências.
A reboque da história do crime não resolvido e dos cartazes que manda colocar, observamos a relação tensa e as incompreensões mútuas entre mãe e filha, e a forma como aquela mãe sente remorsos pela forma como agiu com a filha assassinada. Vemos como a polícia quer agir, mas não pode por falta de provas, por ser obrigada a seguir e não poder simplesmente prender tudo e todos ou tratar cada um como um suspeito. Vemos como homens honestos e potencialmente bons se podem perder, se não têm uma oportunidade de melhorar a sua conduta, e como há de facto pessoas empenhadas no seu trabalho, apesar das críticas que recebem. E vemos como, por vezes, a voz do povo pode ser mais cáustica e injusta do que qualquer outra.
Martin McDonagh é um director novo, que muitos não conheciam bem antes deste filme. Eu já vira um filme dele anteriormente, *Em Bruges*, e ele realmente melhorou bastante, não só como director, mas até como roteirista. Frances McDormand brinda-nos com um desempenho completo, intenso, empenhado e poderoso, que nos prende do início ao fim do filme. Escusado será dizer que foi, provavelmente, o grande trabalho da vida dela, e que seria uma injustiça de proporções titânicas não o premiar com toda a justiça, como aconteceu. Mas ela não carrega o filme sozinha: também Woody Harrelson está muito bem aqui, numa personagem difícil e que dá ao filme uma densidade acrescida. Também ele nos deu, neste filme, o melhor de si mesmo. Mas ainda mais poderoso e intenso é o trabalho de Sam Rockwell, um actor que eu nunca havia visto trabalhar a este nível, e que foi verdadeiramente impressionante na forma como agarrou a personagem e lhe deu corpo e densidade. O filme conta ainda com colaborações satisfatórias de Peter Dinklage (actor que nem sempre foi bem tratado nos filmes onde entrou, apesar de ser muito bom naquilo que faz) e Caleb Jones.
Tecnicamente, o filme é verdadeiramente um desfile de qualidade. Comecemos por observar a sua cinematografia elegante. Com um trabalho de filmagem primoroso e muito bem executado, o filme tem excelentes cores, nitidez, enquadramento e aproveita da melhor maneira os locais de filmagem bonitos onde foi feito. Gostei especialmente de algumas filmagens ao entardecer, em que a luz solar confere à cena uma nostalgia pungente. A edição foi igualmente bem feita e os cortes nem se fazem sentir. Os cenários foram muito bem feitos e estão cheios de detalhes, sendo que eu destacaria a esquadra de polícia ou a loja onde Mildred trabalha. Por fim, temos de falar da banda sonora, triste e introspectiva, assinada por Carter Burwell, e da inclusão sábia da canção *Last Rose of Summer* pela voz incrível de Renee Fleming, a cereja em cima do bolo naquelas cenas de abertura.
Em 23 Jan 2022