Autor: Filipe Manuel Neto
**Entretém, por vezes faz rir, mas tem os visuais de um videojogo e um sentimento de culpa e de expiação de género que não devia estar aqui. A busca pelo politicamente correcto sufoca o filme.**
Lançado com quase vinte anos de atraso, este é o terceiro filme da franquia *Caça-Fantasmas*. De facto, só compreendi o motivo do atraso após alguma leitura: um contracto especificava que um novo filme seria lançado se o director e os quatro protagonistas originais concordassem, e esse acordo nunca foi possível até agora. Por um lado, fico feliz que isso tenha sido ultrapassado, mas por outro confesso que esperava algo mais: este filme é muito bom, entretém bem o público e é um espectáculo visual, mas tem muitas falhas, sendo que, para mim, a mais impressionante e imperdoável é ignorar filmes originais. Isto é, eu teria preferido ver uma continuação, que desse seguimento à história e tivesse em conta os anos que passaram e os filmes originais, do que um “reboot” puro e simples que ignora tudo o que está para trás.
O roteiro começa com o encontro de duas antigas amigas, ambas cientistas, que no passado se deixaram fascinar pelo mundo do sobrenatural. Uma delas continua ligada a isso e é chefe de um gabinete de pesquisa universitário, mas a outra quer esquecer, e ser considerada como uma académica séria no meio científico. Porém, a forma como as cientistas rapidamente ultrapassam as suas diferenças e voltam a emparelhar esforços é inverosímil, e a continuação do filme não vai melhorar isso: temos muitas ideias e situações forçadas, inacreditáveis, ilógicas, personagens mal concebidas, uma constante e irritante obsessão com questões de género e politicamente correcto, que vão mantendo a qualidade do enredo abaixo o que nós podemos e devemos exigir. Em virtude disto, e doutras questões que irei abordar, sou obrigado a taxar a performance do director Paul Feig como amadora. Ele parece ter simplesmente deixado as coisas caminharem por si mesmas, intervindo o mínimo possível e exigindo apenas o básico de tudo e todos.
O elenco tem vários nomes fortes, começando pelo quarteto formado por Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate McKinnon e Leslie Jones. Eu realmente não posso dizer mal do trabalho delas. Penso que fizeram o melhor que puderam com o material recebido, muito embora os diálogos sejam falsos, as piadas sejam idiotas e as personagens sejam tão densas quanto uma placa de cartolina. Jones é quem se desembaraça melhor aqui, em contraponto com uma adormecida e letárgica McCarthy e uma McKinnon exagerada e histriónica. Ao contrário do que alguns terão pensado, eu não acredito que o facto de elas serem mulheres (nos filmes anteriores, os Caça-Fantasmas eram homens) seja um bónus especial. Para mim, é algo irrelevante, dado que me importo mais com a concepção das personagens e o bom trabalho dos actores do que com questões de género, as quais só servem para polarizar e usar o cinema para fins políticos, tirando o foco da arte e do entretenimento de qualidade. Em vez de usar o cinema para fazer política, empoderando mulheres e feminilizando homens, os filmes deveriam procurar melhorar as suas histórias, dar credibilidade e profundidade às personagens, apostar na qualidade. Caso contrário, a sensação que perpassa é que o cinema procura fazer um trabalho de expiação e penitência. Talvez por isso detestei a personagem de Chris Hemsworth: além de não conseguir ser um bom vilão, é amorfo na maior parte do filme e tem a inteligência de um periquito. Neil Casey nem merece ser mencionado: o trabalho dele é esquecível. Gostei da aparição fugaz dos protagonistas dos filmes originais, mas lamento que não tenham podido reviver as personagens originais também. Teria sido algo mais honroso e meritório.
Tecnicamente, o filme aposta tudo nos efeitos visuais e num CGI ambicioso, caro, vistoso e cheio de cor. Isto é algo realmente impressionante, e na tela grande tem um impacto assinalável, mas em última análise torna-se fastidioso, excessivo e transforma o filme numa espécie de videojogo caro e barulhento, uma desculpa para toneladas de efeitos caros. O filme falha nas cenas de acção, absorvidas pelos efeitos e carentes de impacto. A cinematografia é boa e impressiona, mas a edição foi mal feita e penso que houve cortes excessivos ou mal colocados. A banda sonora tenta honrar a original, actualizando-a, mas acabou por tornar desinteressante e monótona uma das canções-tema mais interessantes do cinema dos anos Noventa.
Em 23 Oct 2021