Autor: Filipe Manuel Neto
**Estilo, classe, elegância, um mistério intrigante e um agradável jogo de mentiras e meias verdades num filme que merece ser considerado um grande clássico.**
Há quem diga que este filme é o melhor filme de Hitchcock que Hitchcock nunca fez, e é verdade. O icónico director não fez este filme, nem sequer estava ligado à produção, e a sua influência, a influência do seu estilo muito particular, estão bem presentes aqui. O director, Stanley Donan, pode eventualmente ter sido um apreciador do mestre. Será? É possível que sim, não sei. Não importa, o director faz um bom trabalho e o filme é bom.
O centro do filme é o assassinato de um homem que deixa uma jovem esposa falida e sem um vintém no bolso, quando dantes vivia uma vida luxuosa. Nos dias a seguir, ela descobre que o marido não era quem dizia ser e que fora provavelmente morto por culpa da própria ganância: afinal, ele apropriara-se de um enorme valor em dinheiro roubado, anos antes por ele mesmo e por mais três cúmplices que, agora, queriam a parte que lhes cabia no produto surripiado. Entretanto, é também contactada pela CIA e por um ágil e manhoso cavalheiro que pode, também, não ser digno de confiança. Aliás, neste filme é realmente difícil saber quem diz a verdade.
O filme tem todas as qualidades para ser um grande clássico, e é presença regular numa série de canais televisivos dedicados a filmes antigos e clássicos. Também é considerado um dos melhores da carreira da maioria dos actores envolvidos. Os valores de produção também são excelentes, e há uma boa dose de dinheiro investido no filme: muitas cenas de exteriores e em locais de filmagem bastante reconhecíveis aproveitam o melhor que a sempre elegante Paris tem para nos dar, desde a sua catedral à beleza do rio Sena. Toda a cinematografia merece um olhar atento: não há nada de engenhoso, mas o que é feito é feito com muito talento e competência técnica. E a banda sonora? Magnífica.
Como sempre acontece, Audrey Hepburn dá-nos mais uma personagem cheia de charme e estilo, com um porte digno de aristocrata que os figurinos, desenhados por Givenchy (amigo pessoal da actriz), salientam ainda mais. Ela estava, então, a viver o momento de maior fulgor da sua carreira artística, e a colher todos os frutos do êxito. Ao lado dela, a figura inconfundível de Carey Grant dá-nos um rosto simpático, carregado de seriedade e credibilidade atestada pelo aspecto austero, pelos cabelos grisalhos e pelo ar decente do actor e da sua personagem, que não é tão séria quanto pode parecer. Eles fazem uma excelente harmonização de opostos: ela é jovem e ele é maduro, ele é inteligente e ela é mais emotiva, ele é sentimentalmente mais racional e ponderado, ela é mais impulsiva e deixa as coisas acontecerem, ela quer acreditar e confiar nele, ele não lhe dá uma única garantia razoável de confiança. Temos ainda um elenco de apoio sólido onde pontificam Walter Matthau, James Coburn, Jacques Marin e George Kennedy.
Em 10 Jul 2023