Autor: Filipe Manuel Neto
**Visualmente grandioso, tecnicamente irrepreensível, mas há alguns problemas no roteiro.**
Eu vi este filme ontem ou na noite anterior e, francamente, estou um pouco dividido sobre ele. Eu esperava algo mais.
O roteiro é simples: num futuro próximo, uma explosão severa causa uma reacção em cadeia destruindo a maioria dos satélites em órbita e lançando uma chuva de detritos espaciais, comprometendo a sobrevivência de uma equipa de astronautas americanos que estava a arranjar o Telescópio Hubble. É uma trama que funciona mas tem sérios problemas de credibilidade, baseados na grande improbabilidade de todos os satélites serem destruídos ao mesmo tempo. Também ignora as questões científicas, como a abundância de lixo espacial em órbita, e tem um buraco que raia o absurdo: como é que os astronautas iam ser capazes de ouvir cães na China se não conseguiam falar com a própria base, em Houston?
Sandra Bullock é a personagem principal, no papel de uma cientista que foi seleccionada para a missão por ser uma especialista. A actriz é boa e a sua qualidade é inquestionável, mas acho que a sua personagem não foi bem pensada. Apesar de ser uma novata no espaço e ter pouco treino, a personagem é capaz de manobrar mais ou menos bem um vaivém espacial da Estação Espacial Internacional e um outro, chinês, algo que o treinamento que recebeu provavelmente não abrangia por não ser necessário à sua missão. Há aqui uma contradição clara, e não é preciso ser um físico para perceber isso e ver isso no filme. George Clooney é um bom actor secundário, mas às vezes a sua postura infantil e descontraída era um obstáculo que me impedia de sentir qualquer tensão, sem mencionar que o modo como ele morre é absolutamente cliché. A direcção de Alfonso Cuarón funciona bem, e acho que percebi algumas cenas que intencionalmente copiam grandes filmes do passado para honrá-los. Isso é lindo e simbólico. O final do filme também parece cheio de simbolismo.
A questão técnica, no entanto, é irrepreensível. O CGI é absolutamente grandioso e as imagens do nosso planeta são de tirar o fôlego. Gostei da cinematografia e da banda sonora, discreta mas competente. A maneira como colocam os actores a flutuar sem peso também é incrível e realista, tal como os navios, ferramentas, fatos espaciais e destroços flutuantes. Visualmente, o filme é poderoso e realista mas não uma tempestade de CGI que faz um bom filme. O roteiro tem que ser bom. E o facto é que o roteiro deste filme, apesar de funcionar, tem muitos buracos, erros, momentos absurdos e contradições. Não importa quão improvável seja a situação que o filme mostra, o público tem que sentir que é real e está a acontecer. E eu não senti isso aqui.
Em 05 Oct 2018