Autor: Filipe Manuel Neto
**Um dos grandes filmes da era dourada de Hollywood.**
Este filme é realmente especial. Não só nos mostra muito sobre o mundo de Hollywood durante a sua era dourada, como nos revela também muito sobre os egos, as vaidades e a luta titânica dos actores para conservarem as suas carreiras e não saírem de debaixo dos holofotes. Dirigido de maneira brilhante por Billy Wilder, é considerado por muitos como um dos grandes clássicos do cinema, um filme que combina o prazer do entretenimento, o valor artístico e a relevância cultural. Em 1951, ganhou três Óscares (Melhor Roteiro, Melhor Direcção de Arte num Filme a Preto e Branco, Melhor Banda Sonora de Filme Cómico) e poderia perfeitamente ter ganho mais um, o de Melhor Actriz. Mas prémios destes nunca são totalmente justos, principalmente em anos tão férteis de bons filmes.
Começando com a icónica cena do homem morto na piscina, o filme intriga-nos e a curiosidade prende-nos, à medida que o filme mostra como tudo aconteceu, apresentando-nos um roteirista mediano que luta para escrever um roteiro de sucesso que consiga alavancar a sua carreira. Ele deve dinheiro, está em sérias dificuldades e aproveita a oportunidade de ganhar algum dinheiro fácil à custa de uma ex-actriz de filmes mudos, que o resolve contratar para rever e dactilografar um roteiro, escrito por ela mesma e pensado para assinalar o seu retorno às telas. O roteiro é medíocre, e ele sabe que o filme nunca vai acontecer, mas é coagido a calar-se, tornando-se na testemunha ocular e privilegiada da gradual perda de lucidez daquela antiga estrela. Claro, as coisas complicam-se à medida que ele vai perdendo a liberdade individual e ficando mais dependente dos caprichos e vontades da sua patroa.
Apesar da ficção, o filme baseia-se muito em factos verdadeiros, soltos e sem grande relação entre si: um deles, o mais óbvio, é o afastamento de diversos actores no decurso da passagem do cinema mudo para o cinema falado. Havia grandes actores que ficavam magníficos na tela e tinham grande expressão física e facial, mas que não sobreviveram à transição devido a coisas tão prosaicas quanto um mau domínio do Inglês ou um sotaque estranho. Outros, todavia, não souberam, simplesmente, entender os novos tempos e adaptar-se. A derrocada das carreiras e das suas vidas pessoais levou vários ao alcoolismo, às drogas, aos distúrbios mentais. O filme é capaz de condensar quase tudo isto numa só personagem: Norma Desmond, o epítome da estrela caída em desgraça.
O elenco conta com vários nomes conhecidos, sendo que três deles – William Holden, Erich Von Stroheim e, obviamente, Gloria Swanson – oferecem-nos a interpretação das suas vidas e o seu trabalho de maior valor e maior reconhecimento. Claro, não podemos ignorar que Swanson foi uma grande estrela do cinema mudo e que brilhou em filmes como “Trespasser” ou “Indiscreet”, e que Holden continuaria a ser um actor muito requisitado, tendo ganho o seu Óscar de Melhor Actor num filme que protagonizou dois anos mais tarde. Mas não há dúvidas de que este filme os imortalizou aos três.
Tecnicamente, o filme é impecável, e o mérito recai bastante no brilhantismo dos diálogos, na excelência da concepção e desenvolvimento das personagens, na extraordinária maneira como Wilder conseguiu tirar o melhor de Swanson e levar a actriz a um desempenho magnífico, que tem tanto de brilhante e de difícil quanto de provocador (especialmente do ponto de vista de muitas estrelas cadentes de Hollywood, que se viram na personagem e se sentiram ofendidas com isso). Com um ritmo excelente, o filme não perde tempo nem deixa o ambiente de tensão e drama cair em marasmo. A mansão, propriedade da família Getty, adquire personalidade por si mesma na medida em que se torna no símbolo mais óbvio da personalidade perturbada e só da sua moradora. A cinematografia a preto e branco é magnifica, e acentua, nos seus detalhes e ângulos de filmagem, a sensação dramática do filme. A banda sonora não é memorável, mas é eficaz e funcional.
Em 16 Nov 2022