Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme muito mal apreciado e incompreendido, que usa humor irónico para veícular uma mensagem séria e dramática contra o uso de drogas.**
Confesso que comecei a ver este filme com poucas espectativas acerca dele. Eu sabia que era um dos filmes mais aclamados do cinema, para muitos. Mesmo assim, não me deixei entusiasmar com isso. E acabei apreciando o estilo do filme.
O roteiro acompanha a trajectória marginal de um grupo de jovens dos subúrbios escoceses. Todos, de uma forma ou doutra, estão ligados ao consumo de drogas pesadas e à criminalidade. E todos, de uma forma ou de outra, pagam por isso. Pensado como um filme leve, é mais sério do que aparenta e aborda temas fortes de uma forma inovadora e inteligente. Ao contrário do que muita gente pensou, o filme não é de todo uma comédia nem tampouco perpassa uma visão favorável do mundo das drogas. Muito pelo contrário. O filme é muito mais sério, há momentos verdadeiramente trágicos (como o bebé que morre, quase simbolizando todos os inocentes, que sofrem e são vítimas indirectas da droga, pela mão daqueles que se envolvem e viciam na droga) e uma mensagem clara anti-drogas ao mostrar a forma como cada jovem sofre as consequências: anos na prisão, a morte... Apesar de o uso de drogas ser claramente mostrado como recreativo no filme, e os personagens terem prazer nas drogas, o filme mostra também como as suas vidas (e as das pessoas que os amam) são arruinadas pelo vício.
As personagens são complexas e intensas. Cada uma tem a suas características e perfil psicológico. Os diálogos são excelentes e o uso de um sotaque escocês carregado por actores escoceses confere-lhe alguma autenticidade e originalidade. Ewan McGregor conseguiu aqui o seu trampolim para um merecido estrelato, e podia não ter sido o actor de renome que é hoje se não tivesse participado neste filme. Com uma personagem controversa e desagradável, ele é o astro do filme. Junto dele, vários actores que tiveram, cada um à sua maneira, oportunidade e talento para brilhar: Ewen Bremner, Robert Carlyle, Kevin McKidd, Kelly Macdonald, Jonny Lee Miller... há espaço para cada um se destacar nas horas certas, e acredito que as carreiras de cada um tiraram o devido proveito disso.
Tecnicamente, o filme é impecável. Sem nunca tirar o foco da história contada ou exagerar pondo o estilo à frente do conteúdo, o filme apresenta recursos inovadores ao nível da fotografia, dos ângulos de filmagem e da banda sonora, por muitos considerada uma das mais interessantes do cinema contemporâneo, com faixas de Iggy Pop, Lou Reed, New Order e outros nomes do rock.
Em 13 Sep 2019