Autor: Filipe Manuel Neto
**Gosto muito deste filme, mas é um péssimo filme.**
Este filme é, para mim, particularmente nostálgico porque eu gostava muito de o ver no tempo da minha infância e juventude. Foi um daqueles filmes que marcou o meu imaginário acerca da Idade Média, e de como poderia ter sido. Obviamente, a maneira como eu o vejo mudou com a maturidade, e os estudos permitiram-me perceber as enormes anacronias cometidas por este filme, a vários níveis. Porém, como quase tudo aquilo que nos traz boas memórias de infância, é um filme que continua a ser-me bastante querido.
O roteiro não merece muitas considerações, sendo essencialmente um melodrama pobre e de gosto duvidoso, criado em torno das lendas arturianas. A lenda, como sabemos, tem uma forte origem franca, e centra-se num rei lendário que governou sobre a Britânia, defendendo-a dos Saxões, num período muito inicial da Alta Idade Média – sim, porque a Idade Média não pode ser considerada como um todo, tem praticamente mil anos de extensão e muita coisa se passou nesse tempo todo. Vemos uma Lady Guinevere contrair um casamento de conveniência política com um idoso Rei Artur, no auge do seu poder e influência, muito embora ameaçado pela hoste de um inimigo, Malagant. E vemos a forma como um jovem e arrogante Lancelot persegue, e na prática assedia a jovem rainha, seduzindo-a e levando a que se apaixone por ele.
Apesar do carinho que tenho por este filme, que tantas boas memórias me traz, reconheço que é um filme fraco e muito mal feito. A própria história que nos é contada é bastante feia, sendo, na essência, um conto moral de sedução, traição, adultério e abuso de confiança, onde a única personagem digna da nossa simpatia é o velho rei Artur, no seu excesso de bondade, senso de justiça e rectidão. Mesmo sendo um homem velho, ele honra a palavra dada ao pai da sua noiva e casa-se com ela (obviamente, uma mulher muito mais jovem que ele) para a proteger, a ela e ao senhorio feudal dela. Empenhado na construção de um reino ideal, ostraciza Malagant, que descrê do projecto pela sua própria ambição e crueldade, da mesma forma que não consegue ver a forma como se abre a Lancelot, um total desconhecido, criando condições para que este abusasse dele e o traísse, seduzindo a jovem e ingrata rainha. Uma história muito feia, mas de forte humanidade, onde aprendemos o que acontece quando somos bons demais.
Não obstante só nos aparecer quase meia hora depois de o filme ter começado, não há dúvidas de que Sean Connery é o grande actor deste filme. Ele era o homem certo para conferir força e nobreza ao velho soberano britânico. De resto, basta a sua carismática e aristocrática presença, e a forma impecável como actua e trabalha a sua personagem, para justificar uma revisita a este filme, que se tornou bastante popular na televisão. Todavia, o resto do elenco está totalmente errado. Ou os actores não foram capazes de entender as personagens, ou (e eu aposto que terá sido isso) o director Jerry Zucker foi totalmente incapaz de os dirigir e de entender como deveria fazê-lo. Julia Ormond é muito bonita e elegante, mas parece não saber o que está a fazer neste filme. Ben Cross é uma sombra de si mesmo e faz uma personagem absurdamente mal escrita e mal concebida. Richard Gere é pomposo, presunçoso, fanfarrão, irritante e perverso.
Os valores de produção são elevados, e o filme parece caro. A cinematografia é incrível e muito bonita, especialmente as cenas nocturnas, com a luz dos archotes e fogo. Os cenários e figurinos são muito detalhados, elaborados e visualmente impressionantes. As armas e armaduras dos cavaleiros de Artur, com o azul e o prateado, são lindas, e Camelot é uma das mais belas cidades cenográficas medievais que já vi num filme. O grande problema disto é que estamos a ver uma gritante anacronia! Se o filme aborda a figura do rei Artur e esse rei existiu algures antes do Ano Mil, a cidade de Camelot nunca teria aquele aspecto visual elaborado. As armas e armaduras, de igual modo, seriam muito mais primitivas, simples e funcionais. É tudo muito bonito, não há dúvidas, mas é falso como o beijo de Judas! Uma palavra ainda para a banda sonora, de gosto um pouco vulgar e duvidoso, quase melodramático.
Em 21 Nov 2022