Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme cheio de qualidades, mas que não vai agradar ao público generalista.**
Há filmes que são feitos para o público comercial e outros que são claramente feitos para agradar a críticos especializados e teóricos de cinema. Apesar de este filme ter marcado presença no circuito comercial, a verdade é que Wim Wenders dirigiu este filme para os críticos e para o público de festivais de cinema, e isso explica porque os críticos o amam e porque o público generalista quase não conhece esta obra. Quanto a mim? Para ser bem honesto, não gostei particularmente do filme e não é o tipo de filme que eu gosto de ver e que vejo com prazer. Porém, sou o primeiro a reconhecer que é um trabalho carregado de qualidades artísticas e técnicas, e que merece um olhar atento por qualquer estudante e apreciador da sétima arte.
A trama desenrola-se em torno de um homem que passou quatro anos a vaguear por áreas desérticas do Texas devido a um enorme choque psicológico. Não sabemos o que sofreu, mas é óbvio que ele não está bem quando é, finalmente, resgatado pelo irmão e passa um longo tempo sem dizer uma palavra, apenas tentando retomar a marcha até lugar nenhum. À medida que a trama se desenvolve, compreendemos o vazio emocional que ele sente e que procura desesperadamente preencher. O reencontro com o filho, que não via há anos, irá marcar o começo de um percurso de cura interior, de reencontro consigo mesmo e as mágoas do seu passado. A ideia de família, a crise de valores morais e sociais, o papel do homem e da mulher num casamento e a ausência de sentimentos são temas que o filme, muito discretamente, vai abordando ao longo da história que nos conta.
Quem quiser ver este filme deve preparar-se para uma longa experiência muito visual: o filme tem umas extenuantes duas horas e meia e a acção é bastante lenta. Wenders, que chegou a pensar tornar-se pintor, gosta de trabalhar muito cuidadosamente o lado visual e pictórico dos seus filmes, e a acção lenta permite-lhe, neste caso concreto, explorar ao máximo a beleza visual dos cenários desérticos ou das paisagens urbanas do Texas, local onde a acção se concentra. Preciso de dizer que a escolha de cenários e locais de filmagem foi um dos aspectos que mais me agradou? Graças a um bom trabalho de cinematografia, cada um parece ainda mais belo, selvagem e rude. Harmonizando-se perfeitamente com tudo isto, a banda sonora, em guitarra, brinca um pouco com o Oeste Selvagem e com as melodias que costumamos associar ao estilo ‘Western’.
Além de uma trama muito bem feita e sólida, e de bons valores visuais e técnicos, o filme conta ainda com o extraordinário trabalho de Harry Dean Stanton. O actor nunca foi uma daquelas estrelas que arrasta multidões, mas tem qualidade e dá-nos aqui, provavelmente, o melhor trabalho da sua carreira de cinema. Ele é sólido e impactante o suficiente para captar toda a nossa atenção com o mínimo de palavras e de expressões faciais, sendo que não diz uma palavra ou muda de expressão de rosto durante a primeira meia hora de filme. O filme conta ainda com excelentes contribuições de Dean Stockwell e Nastassja Kinski, e até o jovem Hunter Carson faz um trabalho bem feito. Porém, o palco é todo de Stanton.
Em 12 Mar 2024