Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme bastante humano que assenta solidamente na actuação dos dois actores principais e na discussão em torno da pena de morte.**
Há determinados filmes que são feitos para mexerem com os nossos sentimentos e com o que nós consideramos como temas fracturantes. Filmes acerca da pena de morte, quase sempre, o fazem de uma forma ou de outra: o tema em si é altamente controverso, e quase toda a gente tem uma opinião formada (o nível de informação crítica das opiniões é que vai variando) sobre isso. O debate acerca da pena capital nunca terá fim, até porque há razões, jurídicas, humanas, sociais e religiosas, que sustentam razoavelmente quem é a favor e quem é contra. No final, é uma daquelas escolhas que depende muito da maneira como o sistema jurídico e correccional é encarado, isto é, se valorizamos mais, como sociedade, o castigo exemplar do criminoso ou a sua eventual expiação e correcção.
O filme baseia-se nas memórias e experiências da Irmã Helen Prejean, uma religiosa católica de bom coração que, ao longo de anos, acompanhou e aconselhou vários condenados à morte na Luisiana, um dos muitos estados norte-americanos que mantém a prática activa. É um filme muito intimista, na medida em que boa parte dele é focado nas conversas particulares entre a freira e o condenado, que neste filme é um homem que matou um casal adolescente, mas que alega estar inocente e ter sido o seu cúmplice a fazer tudo.
O roteiro faz tudo o que pode para adoçar a história de maneira a manter o nosso interesse: as alegações constantes de que ele pode ser um inocente, o clima de romance que por vezes surge entre a religiosa e o presidiário, a forma passional (compreensível) como os familiares daqueles jovens reagem e se comportam, as diversas alegações acerca da promiscuidade entre o sistema de justiça e as conveniências (ou inconveniências) da condenação à morte para a política e para a imagem do Governador. O filme aproveita o tema ao máximo, dispara em várias direcções e, na maioria das vezes, acerta o alvo. Além de ser um autêntico manifesto contra a condenação à morte, o filme é um drama pungente onde um homem claramente mau e vicioso se arrepende das coisas que fez, muito embora seja tarde para ele. A minha única crítica negativa ao roteiro acaba por ser, precisamente, o clima de namoro sentido nalgumas partes, e que eu considero que está a mais no filme, e não era necessário nem é particularmente positivo para a mensagem.
Susan Sarandon, uma das grandes actrizes do fim do século XX, dá-nos um trabalho notável em que acabou por vencer um merecido Óscar de Melhor Actriz. Ela demonstra sensibilidade e um elevado sentido de humanidade enquanto interpreta a personagem, e nunca cede à tentação de se tornar excessivamente melodramática (excepto, talvez, nalguns momentos açucarados e menos bem conseguidos perto do final). De resto, este é um dos grandes trabalhos da carreira da actriz. Sean Penn, por outro lado, aparenta ainda juventude, e está a aproveitar ao máximo a oportunidade para abrir portas para crescer enquanto actor. Como sabemos, ele vai fazê-lo, e irá granjear êxitos e prémios importantes alguns anos depois. Aqui, ele é responsável por uma boa actuação, em que ele se equilibra entre o ressentimento, o arrependimento, o desespero e a necessidade de redenção e de perdão. Ele nunca permite que a personagem dele pareça ser unidimensional, ou demasiado sombria, ou até demasiado açucarada, dando-lhe complexidade e várias ‘nuances’ psicológicas que são dignas de serem apreciadas.
A nível técnico, o filme é discreto, funcional e pragmático. Não comete erros gritantes, faz bom uso do material original e da colaboração da verdadeira Irmã Helen, que esteve engajada neste projecto, e procura dar todo o espaço que os actores precisam para o seu trabalho. Isso é obra de uma direcção sensível e metódica de Tim Robbins, que soube compreender que o filme iria depender muito do trabalho dos dois actores principais, e se concentrou em extrair deles o que precisava sem adicionar nada que os atrapalhasse ou que nos distraísse a nós, público. Porém, creio que não estou a ser injusto ou lisonjeiro se fizer uma breve chamada de atenção para a boa cinematografia, com bons enquadramentos (o uso das grades e outros efeitos para ampliar a sensação de confinamento) e um excelente cenário. O filme tem ainda uma canção original, que foi composta por Bruce Springsteen.
Em 13 Mar 2023