Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme ousado e muito bem executado sobre uma das primeiras superestrelas porno.**
Ao contrário do que muita gente pensa, a pornografia não surgiu por magia nos anos 70. Não sou um entendido na matéria, mas conheço diversas imagens e gravuras de conteúdo pornográfico impressas no século XIX. Porém, até meados do século XX, este material só podia circular às escondidas para não ofender o puritanismo reinante. O que aconteceu nos anos 70 foi a libertação deste material, que passa a ser exibido abertamente e ter ares de grande expressão artística (muitas vezes sem mérito). Linda Lovelace, provavelmente a primeira superestrela porno, faz parte do nascimento da indústria pornográfica actual.
O filme, dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, não tem medo de abordar os temas mais duros e de nos mostrar o lado mais sombrio da vida da mulher que protagonizou o famoso “Garganta Funda”, um filme tão extremo para o seu tempo que foi censurado em boa parte do mundo, tornou a pornografia numa moda bem aceite e consolidou a pornografia como género cinematográfico e indústria de entretenimento. Aproveitando as declarações da própria Linda Lovelace, vários anos mais tarde, o filme mostra os abusos a que a actriz terá sido sujeita na produção, pelo que devemos contar à partida com várias cenas de sexo e de nudez. Eu costumo ser contra a inserção despropositada deste tipo de cenas, mas no contexto que aqui temos elas fazem falta e não surgem gratuitamente na tela.
Tecnicamente, o que mais me chamou a atenção foi a recriação cuidadosa da época e dos ambientes. Ver os cenários e figurinos deste filme transporta-nos automaticamente para os anos 70 e para o auge da Revolução Sexual, uma era de questionamento, de quebra de tabus, de assunção de liberdades e de contestação ao status quo moral. Dos adereços aos penteados, passando pelos automóveis utilizados nalgumas cenas, tudo nos reporta para a época e não verifiquei erros ou problemas gritantes que estragassem o efeito. Também a banda sonora, onde pontificam algumas canções da época por vozes tão notáveis como Gladys Knight ou Soul Brother Six, está em total consonância com o ambiente geral.
Amanda Seyfried tem sabido gerir maravilhosamente a sua carreira profissional e o facto é que tem participado em filmes cada vez mais significativos desde “Mamma Mia”, com provável reflexo financeiro a favor da jovem actriz. A sua escolha para esta personagem é um pouco estranha, considerando que não é sequer parecida com a verdadeira Lovelace, mas a verdade é que a equipa de caracterização e maquilhagem fez milagres e Seyfried aproveitou mais uma oportunidade para mostrar talento e garra. A produção, de resto, está cheia de nomes bem conhecidos. Sharon Stone, que fez o furor do público há quase trinta anos atrás com um simples cruzar de pernas, parece fazer uma espécie de catarse pessoal desse famoso momento no papel da conservadora e puritana mãe de Lovelace, e partilha o palco com Robert Patrick, que também fez um trabalho bastante bem feito. Gostei ainda do trabalho de Peter Sarsgaard, que está verdadeiramente digno do nosso ódio. O filme tem ainda a participação de James Franco e Wes Bentley, entre outros.
Em 15 Jan 2024