Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme com um bom roteiro e boas personagens, mas que exagera nalgumas coisas e é tão antiguerra como quase todos os filmes sobre o Vietname.**
A guerra do Vietname é um dos conflitos mais brutais em que os EUA se envolveram no século XX e uma das primeiras guerras que os americanos perderam em toda a extensão da palavra. Na sequência da expulsão dos japoneses e do fim da colonização francesa na região, o esforço para auxiliar o Vietname do Sul, democrático, a combater a invasão do vizinho do Norte, um peão às ordens da URSS, saldou-se num banho de sangue que faz, ainda, mossas na mentalidade americana. Por isso há vários filmes sobre esta guerra e a larga maioria é altamente crítica quanto à actuação americana. Este filme é apenas mais um e traz-nos uma história que não difere muito do que podemos ver em “Apocalypse Now” ou “Nascido para Matar”.
Charlie Sheen dá-nos aqui o que pode ser considerado como o seu melhor e mais sólido esforço enquanto actor. Além de ter um aspecto adequadamente despreparado, como um vulgar miúdo americano que vai para uma guerra para a qual não está pronto, ele dá-nos um esforço dramático pungente e confere à personagem uma evolução psicológica boa e bem conseguida. Porém, o filme apresenta ainda dois grandes actores que conseguem de modo claro um protagonismo próprio muito merecido: Tom Berenger e Willem Dafoe. Os dois actores dão vida a duas personagens totalmente antagónicas que, com o conflito que geram, colocam em causa a viabilidade operacional de todo o grupo de combate. Eu irei falar disto mais em detalhe adiante. O filme conta ainda com Forrest Whitaker, Keith David e um extremamente jovem Johnny Depp.
Tecnicamente, o filme tem pontos extremamente sólidos. Dirigido com habilidade por Oliver Stone, que nos dá aqui um dos trabalhos mais intensos e consistentes da sua obra cinematográfica, o filme foi filmado em locais muito realistas e consegue dar-nos todo o realismo e toda a tensão que poderíamos desejar num filme de guerra. A segunda parte é particularmente brutal, com cenas de combate muito intensas, bastante sangue e cenas pouco adequadas a pessoas facilmente impressionáveis. Atrevo-me a dizer até que não é um filme adequado para quem tiver estado em combate e tiver ficado com mazelas de teor psicológico. A cinematografia é profundamente atmosférica, com um uso criativo da luz, da nebulosidade, das neblinas e vegetação, e enquadramentos muito inteligentes. A banda sonora conta com vários temas profundamente atmosféricos, dos quais destaco o Adágio de Samuel Barber, uma das melodias mais pungentes do repertório clássico.
O roteiro é, também, carregado de qualidades. Em meio a toda a brutalidade e às usuais mensagens sobre a inutilidade e desumanidade da guerra, comuns à maioria dos filmes sobre o Vietname, desenvolve-se uma trama de rivalidade sangrenta entre dois sargentos do mesmo pelotão de combate: um é um homem com capacidade de liderança, que está determinado a executar a missão sem se permitir a cometer excessos e brutalidades sem justificação; o outro é um veterano desgastado e que não se importa em massacrar tudo o que mexe para fazer a mesma coisa. Obviamente, as coisas tornam-se insustentáveis e as lealdades dos soldados dividem-se, algo que seria inaceitável numa unidade militar. É bom ver isto, esta rivalidade dá mais sabor ao filme ainda que seja totalmente absurda se considerarmos o quanto os militares prezam a obediência e a cadeia de comando. Além de tudo isto, o filme também divaga bastante sobre o uso de drogas como forma de fuga à realidade da guerra. Isso aconteceu de facto, e não era raro dar substâncias excitantes aos soldados para que aguentassem mais facilmente as agruras do combate, mas parece-me que o filme vai um pouco além do razoável aqui. Oliver Stone exagera bastante no seu retracto das coisas, o que não é de admirar considerando os filmes que dirigiu.
Em 26 Dec 2023