Autor: Filipe Manuel Neto
**Memorável.**
Este é um daqueles filmes que trouxe uma lufada de ar fresco ao mundo da animação digital. Agora, passados vinte anos, é possível compreender o impacto que estes filmes tiveram naquela altura. De facto, este filme inaugurou uma notável tetralogia que se estendeu pela primeira década do século e que se pautou pelo sucesso junto da crítica e na bilheteira, consolidando a DreamWorks como um dos gigantes do cinema animado.
A acção do filme decorre num mundo de contos de fadas: Shrek é um ogre que vive sozinho no pântano e gosta da sua vida livre e despreocupada, onde se diverte com banhos de lama e com as visitas ocasionais de camponeses dispostos a matá-lo e que ele faz fugir com um rugido. Mas isso vai mudar: o prepotente Lorde Farquaad decide mandar para o pântano todas as criaturas mágicas que considera aberrantes e casar-se com uma princesa para finalmente ser um rei de verdade. Shrek contesta o gesto do senhor feudal, mas em resposta apenas recebe a promessa de que terá o pântano de volta na condição de regressar com a princesa, que está presa no alto de uma torre guardada por um dragão, à espera de ser salva.
O filme é excelente a todos os níveis: maravilhosamente bem editado e montado, é daqueles filmes que nós vemos sem sequer sentirmos o tempo a passar. O roteiro mistura bastante bem o humor ingénuo dos filmes animados com temáticas mais maduras como o amor, o triângulo amoroso e a ambição desmedida. É um filme para toda a família. Outra vantagem do roteiro é misturar e desconstruir os contos de fadas de uma forma nunca vista: assim, temos o Homem de Gengibre a ser amigo do Pinóquio, os Três Porquinhos e o Lobo Mau a conviverem em relativa harmonia e uma princesa que está longe de ser ortodoxa. Pessoalmente, gostei em particular do Robin Hood e do seu bando de alegres salteadores, que nunca fizeram tanta justiça ao seu nome, os “Merry Men”. O filme conta também com um excelente trabalho de dobragem de voz e uma escolha criteriosa de vozes para as personagens. Podemos ouvir as vozes notáveis de Cameron Diaz, John Lithgow e Mike Myers, mas vai ser seguramente o trabalho impecável de Eddie Murphy que vai ficar nos ouvidos, graças à forma espirituosa e alegre com que deu voz ao Burro.
A nível técnico, o filme é impecável. A DreamWorks investiu muito nesta produção e isso teve os seus frutos: ainda hoje, vinte anos depois, o filme é visualmente elegante e muito bonito, com excelentes cores e um trabalho cinematográfico pristino. As cenas de acção ocorrem de modo pontual e são memoráveis, assim como o final. A banda sonora é mais discutível… o filme usa várias peças de música ‘pop’, como “I’m a Believer” dos Smash Mouth, que até combinam com o espírito jovem do filme, mas não são tão boas nem interessantes assim quando ouvidas por si mesmas. Da mesma forma, o “cover” que Rufus Wainwright fez da canção “Hallelujah” não é uma das versões mais memoráveis da melodia, originalmente cantada por Leonard Cohen, mas também não destoa quando ouvida no filme.
Em 17 Jan 2021