Autor: Filipe Manuel Neto
**O tema é muito relevante e o filme consegue fazer-nos pensar, mas há uma dose desagradável de inverosimilhança e muitas personagens subdesenvolvidas.**
Este filme superou as minhas expectativas dando-nos um agradável drama familiar em torno da doença de um filho e das dificuldades de um pai para conseguir os tratamentos que ele precisa por não poder pagá-los. De facto, os EUA são um país particularmente ingrato para as pessoas que, por infelicidade, se vêm na situação de precisar de cuidados médicos caros e continuados. A ausência de um sistema público e tendencialmente gratuito de saúde, nos moldes dos que há na maioria da Europa, limita os cuidados que estão disponíveis para quem não tem dinheiro, e torna os seguros de saúde privados particularmente poderosos, a ponto de poderem decidir se vale a pena custear o tratamento de alguém que está doente e que precisa de ajuda. O que este filme faz é ficção, mas eu senti que a sua história pode encontrar reflexo em muitas histórias de pessoas reais, se as procurarmos.
Neste filme, John Quincy Archibald e a sua esposa Denise precisam de garantir um transplante de coração urgente e muito caro para salvarem a vida do seu filho. Acontece que eles não têm o dinheiro necessário e os seguros de saúde recusam cobrir os tratamentos. Com o hospital já a ameaçar dar alta médica ao menino por os pais não poderem pagar mais, John desiste de agir racionalmente e, em desespero, pega numa pistola e barrica-se na sala de urgências do hospital, com vários reféns, incluindo o cirurgião cardíaco responsável pelo seu filho.
O filme pode parecer exagerado ou demasiadamente melodramático, mas consegue fazer com que nos coloquemos, a nós próprios, na posição daquele pai, fazendo com que pensemos muito acerca do que vemos. Isso foi o que aconteceu comigo, pelo menos, e isso ajudou a tornar o filme mais sério e mais incómodo. No meio de tudo isto há, todavia, pontos fracos: o que mais me incomodou foi a bondade exagerada de John, que realmente se importa em não magoar as pessoas que prendeu. Isso fica bem, torna a personagem palatável, mas não funcionaria na vida real. Também a forma como a directora do hospital muda de ideias sobre a inclusão do menino na lista de espera para órgãos me parece forçada, assim como diversas outras situações que vão surgindo durante o filme.
A direcção de Nick Cassavetes provou ser eficaz, ainda que não seja isenta de falhas ou críticas. O elenco é liderado por um poderoso e agradável Denzel Washington, actor que consegue dar à personagem carisma e presença sem perder um toque humano. Robert Duvall funciona bem no papel de um polícia encarregado de negociar com John a situação dos reféns, mas está longe de ter verdadeira relevância. O resto do elenco fica pela mediania: Kimberly Elise só precisa de chorar e parecer aflita, Anne Heche é digna do nosso desprezo mais profundo, James Woods só tem de parecer muito hipócrita e Ray Liotta não diz mais do que algumas palavras cínicas.
Tecnicamente, é um filme dramático ‘standard’ de Hollywood, com um orçamento razoável e um conjunto de valores de produção relativamente medianos. A uma cinematografia competente e bons locais de filmagem, o filme associa uma boa montagem e um trabalho satisfatório de som. Não é um filme que sobressai pelos aspectos técnicos, mas tem o que é preciso para funcionar.
Em 12 Feb 2022