Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme sobre os tempos medievais, que não quer ser fiel ao período, mas apenas dar-nos uma história apelativa e criativa ambientada algures naquela época.**
Este é um daqueles filmes que funciona muito bem comigo: eu sou historiador, eu adoro o período medieval (fiz a minha especialização universitária em torno dele) e tenho uma paixão pelo mundo da cavalaria e da história militar europeia. No entanto, não podemos dizer que é um filme histórico: de facto, é uma mistura muito bizarra de elementos muito contemporâneos, e posso perfeitamente entender as pessoas que disserem que o filme não é autêntico, é confuso ou que parece um baile de máscaras estranho.
De facto, apesar do ambiente medieval e de toda a história se passar numa data incerta do período, o diálogo, as melodias e comportamento das personagens é totalmente moderno, ao ponto de soar totalmente anacrónico e bizarro, principalmente aos olhos de quem, tal como eu, conhecer o período medieval com mais profundidade. Mesmo a recriação dos ambientes e das armas é totalmente errática e feita por critérios meramente estéticos: de facto, temos vestuário e ambientes do século XIII combinados com armamento, costumes e justas que só poderíamos ver no século XIV e XV. A questão é que nada disto foi obra de desconhecimento ou de preguiça, mas totalmente intencional, e o importante é que os espectadores compreendam perfeitamente que o filme não é, nem quer ser, uma peça de estudo de história. É totalmente ficção, assim como tudo o que estamos a ver.
O ritmo é agradável, e a trama bem escrita esconde bem a duração algo excessiva, com quase duas horas e meia. Concentra-se na história de um jovem de origens humildes que quer ser cavaleiro, o que é impossível, pois só é permitido a quem tem sangue nobre. Após forjar os documentos necessários, ele começa a combater e vai fazendo o seu caminho e vencendo oponentes até que chama a atenção de uma dama caprichosa e de um rival. É uma história simples, mas que funciona e que até seria interessante ver num filme mais sério, com mais verosimilhança na recriação do período e mais intensidade dramática. No entanto, foi concebido como uma comédia romântica ligeira e funciona bem assim, ainda que com os problemas que mencionei e que podem desagradar a muitas pessoas.
A interpretação sólida de Heath Ledger é, sem dúvida, um bónus adicional: o jovem actor estava no auge da sua carreira e a sua beleza física impressionava muito as suas fãs entre o público, motivos mais do que suficientes para tornar o filme vendável sem muito mais. Recusando-se, porém, a ser apenas uma cara bonita, Ledger entrega-nos uma actuação de grande nível, com muito empenho e profissionalismo, ainda que a química romântica com Shannyn Sossamon, actriz com quem fez par romântico, seja tensa ou até inexistente. De facto, a actriz não parece estar a vontade com o papel ou com o trabalho que está a fazer, e apesar de ser minimamente bonita, não é capaz de convencer na personagem dela. Por sua vez, Paul Bettany aproveita a oportunidade em pleno, roubando os holofotes para si sempre que aparece em cena graças a uma interpretação vívida, colorida e alegre, cheia de empenho e entrega do actor. Rufus Sewell, que deu vida ao vilão, imprimiu maior intensidade e um ar sombrio à sua personagem, coisa que alcançou sem dificuldades.
Em 30 Mar 2025