Autor: Filipe Manuel Neto
**Um excelente filme que merece ser revisto e trazido de volta do esquecimento.**
Para mim, como historiador, este filme não podia ser mais interessante. Não é o filme de guerra comum, com soldados a correr e aos tiros, e heroísmo a transbordar das mortes sangrentas. É bastante mais acutilante e profundo, pois fala-nos de um tema tratado com excessivo facilitismo quando se fala na Guerra Civil Americana: o racismo. E é pena que seja mais um filme relativamente esquecido nos dias actuais.
Realmente, se nós pensarmos bem e formos fiéis à mentalidade da época, não se pode dizer que a Guerra Civil foi uma guerra contra o racismo, pois ele estava em toda a parte e nos estados do Norte, que na maioria eram contra a escravatura, havia um forte racismo que se revelava de outras formas. Se para o Sul os afro-americanos só serviam para o trabalho escravo, no Norte deviam ficar entre a fábrica e o subúrbio insalubre. A diferença era bastante subtil. O que existia no Norte era uma consciência mais firme de que a escravatura era algo que não devia continuar a existir, uma visão das coisas que o Sul não aceitava porque não lhe convinha, eram estados fortemente agrícolas e a riqueza deles dependia da exportação do algodão.
O filme aborda o assunto ao mostrar-nos como um regimento de negros foi virtualmente segregado dentro do exército unionista, e as manobras de pressão que o seu comandante teve de fazer para conseguir que os seus homens fossem combater com os outros soldados. Os gestos de Robert Shaw foi determinante para convencer a União a acreditar realmente na capacidade dos soldados negros e a recrutar mais gente, dando à União um trunfo adicional que ajudou a vencer a guerra.
Dirigido por Edward Zwick, é uma obra cinematográfica excelente que respeita e honra o passado. Mesmo assim, há certas falhas na reconstrução histórica: há algumas personagens que eram mais jovens que no filme, há uma amputação que é muito mais cruel do que teria sido na realidade (já se usavam anestésicos), não é correcto dizer que o 54.º do Massachusetts foi o primeiro regimento de negros (havia dois já formados, pelo Kansas) e também é incorrecto mostrar alguns desses negros como ex-escravos, visto que este regimento era totalmente formado por negros nascidos em liberdade. Ainda que cometa estes e outros erros, temos de reconhecer que a produção fez um grande esforço para recriar o passado com certo nível de rigor.
O filme venceu três Óscares, nas categorias de Melhor Cinematografia, Melhor Actor Secundário e Melhor Som. Penso que foram prémios justos. A cinematografia não podia ser melhor, e aproveita maravilhosamente o trabalho impressionante ao nível dos cenários, da escolha dos locais de filmagem, da selecção dos adereços, da concepção de figurinos. A edição também é muito boa, e a banda sonora, não sendo notável, tem certo sentido épico e faz um acompanhamento impecável ao que aparece na tela. E se Denzel Washington mereceu, pelo seu esforço e empenho, a estatueta dourada, muitos outros se poderiam considerar vencedores dignos, pois o elenco deste filme está cheio de artistas e profissionais de gabarito. Morgan Freeman, então a viver um momento particularmente feliz da sua carreira, dá-nos um trabalho poderoso e Matthew Broderick faz, neste filme, o melhor trabalho da sua carreira até ao presente.
Em 20 Jul 2023