Autor: Filipe Manuel Neto
**Um dos melhores filmes feitos com base em musicais de palco.**
Confesso que não sou particularmente apreciador de filmes baseados em musicais. Não são o estilo de filme que me atrai, mas adorei este filme. Já conhecia a história, escrita por Gaston Leroux, e não fiquei mal impressionado pelo facto de o filme não seguir literalmente o livro. De facto, o filme preferiu basear-se mais intimamente no musical norte-americano inspirado nele, o que faz todo o sentido dado que também é um filme musical e havia já vários filmes normais, a maioria de terror, inspirados directamente pelo livro de Leroux. Acerca do livro, e da história, há muito para contar e há quem acredite que boa parte do relato é baseado em pessoas e em factos que realmente aconteceram na Ópera de Paris. Não vou entrar em conjecturas, mas não deixa de ser uma ideia sedutora.
O filme começa em 1919, com a venda em leilão de objectos da decadente Ópera Populaire, em Paris. Um dos objectos é adquirido pelo idoso Visconde de Chagny e, juntamente com os pedaços do velho lustre do teatro, é o ponto de partida para um flashback até 1870, altura em que o teatro estava no seu auge e decorrem os acontecimentos do filme: a chegada de novos gestores ao teatro leva à manifestação do Fantasma. Ele é uma entidade maléfica e perversa que ninguém conhece, mas que se manifesta pontualmente e, por vezes, causa acidentes se for contrariado. E desta vez ele decide exigir que a cantora lírica Christine Daaé seja a nova estrela do teatro. A obsessão vai levá-lo a uma série de acontecimentos dramáticos e fatais, onde a sua loucura será colocada em evidência e levará o ainda jovem Visconde de Chagny, apaixonado por Christine, a tomar uma atitude drástica e a defender a mulher que ama.
Vivendo na Europa, muito longe do circuito dos musicais americanos, não posso dizer que vi ou pense um dia poder ver o musical original de Andrew Lloyd Webber. De qualquer modo, se os críticos e peritos estão certos e o filme foi bastante fiel a ela, seria algo que eu pagaria para ver pessoalmente. Joel Schumacher foi um director excelente, o homem ideal para o filme, com uma atenção a todos os detalhes e muito atento à forma como tudo se encaixou. O resultado é um filme maravilhoso, como um conto de fadas, com um ritmo excelente onde não há momentos mortos. As cenas onde o Fantasma leva Christine até ao seu covil, numa ilha sob o teatro, são verdadeiramente inesquecíveis, mais do que a famosa cena da queda do lustre, que é bastante pouco impressionante, para ser sincero. Também não me senti impressionado pelo final, que me pareceu previsível e um pouco anticlimático.
O elenco conta com nomes sonantes, a maioria já com provas dadas no mundo do canto: por exemplo, a protagonista do filme, Emmy Rossum, começou a sua carreira artística como cantora lírica no Metropolitan Opera de Nova Iorque. Ela tem uma voz excelente e encanta a cada melodia. Também Patrick Wilson, que deu vida ao jovem Visconde Raoul, foi notável no seu trabalho e sabe interpretar tão bem como cantar, com uma voz bastante suave que faz um excelente contraponto à voz grave e profunda de Gerard Butler, actor que deu vida ao Fantasma que, neste filme, nunca vê o seu nome revelado. Além deste trio notável, o filme conta com excelentes participações de Miranda Richardson, Minnie Driver (a única actriz que não canta aqui), Ciarán Hinds, Simon Callow e Jennifer Ellison.
Tecnicamente, o filme aposta todas as fichas na música e faz isso de modo certeiro, tendo em conta que ela é o cimento que mantém tudo o resto unido numa obra coesa e sólida. Pelo que fui lendo na hora de escrever esta crítica, todas as músicas do filme foram extraídas do musical americano de palco, com excepção da canção *Learn To Be Lonely*, cantada por Minnie Driver e usada nos créditos finais e composta propositadamente para o filme por Andrew Lloyd Webber. Do vasto rol de canções deste filme é difícil escolher as melhores mas eu gostei muito especialmente de *All I Ask Of You*, *Music of The Night*, *Masquerade*, *The Point of No Return* e, é claro, a famosa *Abertura* que se tornou quase um ícone cultural. A somar a este conjunto de grandes melodias, o filme apresenta excelentes coreografias. Os cenários e os figurinos também são muito bons e há uma certa noção de grandiosidade visual e estética que fica bem e é bem-vinda. Em contrapartida, não gostei particularmente da caracterização de Gerard Butler, que é demasiado bonito sem máscara, longe do ser disforme e semelhante à morte viva que é descrito por Leroux e foi habilmente aproveitado pelo cinema de terror.
Em 23 Oct 2020