Autor: Filipe Manuel Neto
**Um bom filme, ainda que me pareça algo tendencioso na sua abordagem.**
Voltar aos anos Setenta e revisitar a figura de Harvey Milk é, invariavelmente, assistir ao nascer de algo mais do que um movimento a favor dos direitos dos homossexuais. É assistir ao nascer de um lobby, que actualmente é extraordinariamente poderoso, rico e influente o bastante para pôr em xeque a restante sociedade. Esse é o legado de Milk: um movimento que não luta mais apenas pelo direito ao respeito ou à igualdade, mas luta pelo poder, pelo controlo da sociedade, como uma irmandade, uma nova Maçonaria.
Focando no filme em si, penso que é um filme interessante. Começa com a mudança de Milk e do seu namorado para uma São Francisco efervescente de mudanças sociais e dominada pela contracultura, e acompanha a sua trajectória de militância política e de activismo social até ao trágico desfecho. Penso que o filme foi bastante fiel no retracto que fez da figura histórica de Milk, mas não sei se o retracto dos demais agentes da história (como os opositores de Milk) foi tão rigoroso e exacto. Penso que o filme se preocupa em glorificar Milk e o movimento que ele começou e, assim, toma uma posição, diabolizando ou ridicularizando o restante. Mas o cinema está cheio de filmes política ou socialmente militantes, por uma causa ou outra, e não é isso que torna este filme melhor ou pior. Torna-o apenas parcial.
Sean Penn é um excelente actor e fez um trabalho muito bom. Destacaria, especialmente, a sua maneira de actuar e a forma como se adaptou à personagem. Ele efectivamente encarnou Milk e tornou-se nele, merecendo com toda a justiça o Óscar para Melhor Actor que lhe foi conferido pela Academia nesse ano. Também gostei bastante do trabalho de Josh Brolin, ao dar vida a um homem cujas emoções e equilíbrio mental parecem caminhar no fio da navalha. O filme conta ainda com um bom elenco secundário, com actores tão competentes quanto Emile Hirsch, James Franco e Allison Pill. Pessoalmente, não gostei muito do trabalho de Diego Luna, achei-o irritante e cansativo.
Tecnicamente, é um filme igualmente bom. Faz um uso interessante e satisfatório das imagens de arquivo, e insere-as no meio do filme de uma forma muito bem conseguida. A cinematografia é muito boa, adequa-se perfeitamente ao filme e ao período, não sendo demasiado vívida nem demasiado lavada, e a filmagem é nítida. O trabalho de edição é bom e eficaz, e os cenários, tal como os figurinos, foram muito bem feitos e conseguiram reproduzir com fidelidade a época e o contexto temporal e espacial. A banda sonora é eficaz, mas discreta.
Em 20 Mar 2021