Autor: Filipe Manuel Neto
**Com qualidades e muitos problemas, é um filme que prova que os Óscares não tornam os filmes imortais ou mais significativos.**
Custa-me a crer como é que este filme dominou a cerimónia dos Óscares de 1972. Nessa noite, revelou-se um devorador de estatuetas em duelo mano a mano com “O Padrinho”, a obra maior de Coppola, levando oito prémios: Melhor Banda Sonora Original, Melhor Direcção de Arte, Melhor Som, Melhor Edição, Melhor Cinematografia, Melhor Director, Melhor Actriz (para Liza Minnelli) e Melhor Actor Secundário. Eu sei que muita gente gosta de tirar relevância aos Óscares e concordo com alguns dos seus argumentos, mas será um galardão a ter em conta enquanto for o mais prestigioso prémio cinematográfico do mundo. E convenhamos: oito Óscares é muito. Após ter visto o filme, contudo, fiquei a pensar que o filme, apesar das suas qualidades, venceu em categorias onde não teve um competidor à sua altura.
O filme dá a Liza Minnelli tudo o que precisa para brilhar como uma estrela de primeira água, sendo que até aí ela quase não se podia chamar actriz: além de uns papéis menores, só fizera dois filmes e nenhum deixou memória relevante. Sem grande esforço e com tudo a ajudar, ela mostra-nos grande empenho, carisma e presença, dominando absolutamente a cena. Ela merece um aplauso e o trabalho dela torna o filme melhor. O filme conta ainda com a participação esforçada e empenhada de Joel Grey, como o apresentador do cabaré. O restante elenco é bem mais fraco, com alguns actores como Marisa Berenson e Michael York, a serem particularmente irritantes.
Ambientado na Berlim dos anos Trinta, tem bons cenários e figurinos, conseguindo dar-nos o aroma da época e da decadência moral e desejo de fuga à realidade vivida nalgumas fatias da sociedade. O cabaré é, assim, uma bolha surreal onde a realidade não existe. Por isso mesmo, o filme falha na intenção de dar a ideia da crescente popularidade dos nazis. Como musical, é diferente de todos os que já vi. Num filme como “Mary Poppins”, por exemplo, a música acompanha a acção e a história não pára porque as personagens cantam e dançam ao invés de caminhar e falar. Aqui, as canções interrompem a acção e, por vezes, fazem-no de modo desagradável, como se fosse um intervalo. Para tornar as coisas mais difíceis, as canções são desinteressantes, feias e não ficam no ouvido. O filme contém alguma nudez e toca em temas difíceis (sexo, aborto, homossexualidade e preconceito), por isso é totalmente inadequado para crianças muito pequenas.
O maior problema do filme é, para mim, a história que nos é contada e o facto de não ter uma única personagem capaz de suscitar alguma empatia. Sally, a personagem de Minelli, é uma criatura irresponsável, egocêntrica, fútil e tóxica em todos os aspectos, e a história contada é feia, é auto-indulgente, é excessivamente bizarra e parece desorganizada, muito confusa e desconexa, uma manta de retalhos surreal. Talvez isso explique por que, apesar dos prémios arrecadados e das qualidades mencionadas, este filme acabou por ser deixado no esquecimento, sendo desconhecido da maioria das pessoas que não o viu na época.
Em 21 Dec 2023