Autor: Filipe Manuel Neto
**Dor, tragédia, luto, angústia mental e psicológica, um percurso catártico rumo à liberdade, num filme que não é para todos os públicos.**
Eu precisei de três tentativas para conseguir ver este filme na totalidade. Sendo eu alguém que está neste momento a passar por um processo de luto muito difícil, foi-me particularmente duro ver o filme.
Tudo começa com um grave acidente de carro onde a personagem principal, July, perde o marido e a filha. Ela, tal como eu mesmo, sente uma necessidade de fuga, de se isolar dos outros, e ela quase anula a si mesma por não suportar a dor e a ausência da família perdida. Sendo o filme uma espécie de metáfora em redor do conceito de liberdade, até que ponto é libertador ter estas atitudes? Eu sinceramente não sei. Por mais que fujamos, as nossas dores não deixam de nos confrontar, não deixamos nunca de ser quem somos.
Em meio a tudo isto, o filme lança ainda considerações sobre as esperanças e caminhos do projecto da União Europeia por via da atribulada conclusão de uma sinfonia, encomendada pela União e deixada incompleta aquando da morte do marido de July, que era o seu compositor.
Não conhecia o director Krzysztof Kieslowski, e acredito que pouca gente conhecerá. É um dos directores que nunca sai do circuito dos festivais dada a sua enorme erudição. Não acredito, de facto, que ele tenha feito filmes de cariz mais comercial. Este filme não agradará a todos, sendo até relativamente indigesto e incómodo, frio e depressivo como a própria cor que lhe dá nome. A cinematografia é muito talentosa, está carregada de recursos artísticos, enquadramentos de grande valor visual e beleza, cores frias onde o azul predomina e é omnipresente em quase toda a obra.
Não podemos deixar de salientar a excelente actuação interpretativa que nos é dada aqui por Juliette Binoche, num dos trabalhos cinematográficos mais intensos, pungentes e fortes da sua carreira como actriz. Bénoit Regent e Charlotte Véry também não fizeram um trabalho mau, e dão, cada um por si e à sua maneira, um apoio muito importante ao trabalho de Binoche, mas é a actriz principal que, pelo seu enorme mérito, sustenta o filme e nos toca verdadeiramente.
Não queria deixar de escrever algumas linhas acerca da banda sonora deste filme: o filme não é particularmente sonoro, na medida em que a inserção da música é bastante pontual, pensada e meticulosamente articulada com o que estamos a ver. E ao invés de usar várias melodias, ou de encomendar um vasto conjunto de peças incidentais, o filme aproveita apenas uma música, que se chama “Song for the Unification of Europe” e foi composta por Zbigniew Preisner. Feito no período após o Tratado de Maastricht, o filme é bastante europeísta, o que não deixa de ser irónico, dado o eurocepticismo reinante nos dias actuais, passados trinta anos.
Em 10 Jan 2023