Autor: Filipe Manuel Neto
**Um bom filme de época, visualmente magnífico, mas com várias falhas do ponto de vista da precisão e rigor histórico.**
Georgiana Cavendish, nascida Spencer, foi uma das personalidades mais interessantes, notáveis e carismáticas da sociedade britânica dos finais do século XVIII. Ela fez um invejável casamento, para a época, ao desposar o 5.º Duque de Devonshire, um dos mais ricos e poderosos nobres ingleses. Porém, eles não tinham nada em comum: o duque era um homem de poucas falas e via o casamento como um meio para atingir um fim: um herdeiro masculino legitimo para o ducado. Georgiana, por sua vez, não se contentava em ser somente uma figura decorativa dos salões ou uma geradora de filhos. Infeliz, viu-se tão solitária que resolveu aceitar o caso sexual que o seu marido começou com a sua melhor amiga, Lady Foster, a qual se muda para a casa do casal e tem filhos adulterinos com ele, num “ménage à trois” humilhante que a duquesa suporta em troca da amizade de Lady Foster, de quem se torna emocionalmente dependente. Até hoje, é discutível a atitude moral de ambas as mulheres, e até que ponto Lady Foster não procurou, desde o início, substituir-se a Georgiana, a quem invejava e tinha amizade na mesma medida.
De resto, sabemos que os três elementos deste triângulo amoroso não foram fiéis, mantendo, cada um por si, outros casos e envolvimentos sexuais por fora deste arranjo caseiro. Quando a duquesa engravidou de um dos seus amantes, o muito mais jovem Charles Gray, foi forçada a uma viagem por França, onde deu à luz, mantendo pelo resto da sua vida um relacionamento próximo, mas discreto, com a sua filha adulterina. Ao regressar a Londres, Georgiana mudou: ao aceitar a sua conjugalidade de aparência, passou a procurar uma série de escapes e distracções que tornassem a sua existência suportável: a sua presença em festas e bailes tornou-a um ícone da moda, e o seu forte apoio ao Partido Whig influenciou o curso da política britânica do seu tempo. A infeliz Georgiana desenvolveu um ruinoso vício de jogo, talvez uma depressão e ainda um distúrbio alimentar, factores que muito ajudaram ao declínio rápido da sua saúde. Morreu cedo, com muitas dívidas, muitos admiradores e algumas obras literárias.
Tudo isto é a história, resumida, desta intrigante figura histórica. O filme, dirigido por Saul Dibb e protagonizado por Keira Knightley, faz uma abordagem muito ligeira à sua vida, sendo que por vezes falha em ser fiel aos factos históricos (fica o aviso), muito embora nos delicie visualmente. De facto, os valores de produção são altos, e o destaque vai, claramente, para os figurinos detalhados e bem executados, e para os cenários, muitos deles escolhidos a dedo entre os mais luxuosos interiores palacianos, capazes de instantaneamente nos transportarem para a época e contexto. Também a cinematografia e o trabalho de filmagem foram bem feitos, assim como a banda sonora, assinada por Rachel Portman, é muito boa, fazendo bom uso de várias peças de música barroca. A maior crítica negativa que sinto dever fazer é ao trabalho de edição, que nos faz perder imenso tempo em detalhes menores, levando o filme a assumir um ritmo desigual. A sensação de passagem de tempo também não foi feita convenientemente: nunca percebemos bem a passagem dos anos, posto que as personagens não envelhecem e nada muda.
Acerca do elenco, creio ser justo parabenizar o trabalho de Keira Knightley. A actriz tem já um largo palmarés de filmes de época e parece ter desenvolvido uma certa predilecção por este tipo de trabalho dramático, pelo que a senti bastante a vontade com o papel e a personagem. A forma como ela contracenou e se relacionou com Ralph Fiennes é muito boa, sendo que o actor é excelente na forma como assume os modos reservados, distantes e por vezes rudes do duque, a quem torna uma figura desagradável e moralmente controversa. Hayley Atwell também estava muito bem no papel de Lady Foster, ainda que ela não tenha sido capaz de dar à personagem os matizes morais e a ambiguidade que a personagem histórica merecia ter. O filme conta ainda com boas participações menores de Charlotte Rampling e Simon McBurney. Dominic Cooper fez o que podia no papel de Charles Gray, mas não pude deixar de considerar o actor velho demais para a personagem, que era vários anos mais jovem que a duquesa.
Em 12 Jun 2022