Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme verdadeiramente bom, que me parece estar injustamente esquecido e que vale a pena revisitar.**
Esperei um bom tempo para ver este filme. Quando foi lançado, beneficiou de toda a máquina de propaganda dos grandes estúdios e fez sucesso. Actualmente, todavia, eu sinto que está um pouco esquecido e tenho pena, é um filme de grande qualidade e merecedor da nossa atenção. Não é um filme perfeito, tem alguns defeitos, mas penso que são perdoáveis e pouco diminuem o seu valor. O roteiro é fortemente político: ambientado em meio à Guerra Civil da Serra Leoa, o filme associa directamente o comércio de diamantes e o financiamento do conflito. Não é algo que já não soubéssemos ou que fosse desconhecido quando o filme saiu: o mérito do filme é mostrar-nos isso de modo tão cru, tão intenso e perturbador.
Desde os anos Setenta que a África é um pólo de conflitos contínuos entre países, etnias, credos e tribos. Do genocídio do Ruanda e da guerra no Darfur até às guerras civis e golpes sangrentos na Guiné, Libéria, Angola ou Chade, os exemplos são abundantes e têm preenchido os noticiários e, também, contribuído para um pequeno grupo de pessoas (negociantes de armas, diamantes e outros recursos) fazerem enormes fortunas banhadas em sangue. Se a guerra é um negócio, a África é um terreno fértil para investir, potenciado pela abundância de recursos naturais e pela falta de escrúpulos de governos e caciques, indiferentes às perdas civis, às hordas de refugiados ou às crises humanitárias, meros danos colaterais.
O roteiro começa com um ataque da RUF, a guerrilha revolucionária serra leonesa, a uma aldeia onde matam muitos civis e cortam as mãos a quem fica vivo. Solomon é levado para longe da sua família pelos guerrilheiros e colocado a trabalhar como escravo nos garimpos de diamantes, onde casualmente encontra um enorme diamante de grande valor. Rapidamente, ele esconde a pedra, mas os guerrilheiros apercebem-se e ele tem de fugir. Mais tarde, a existência da pedra chega aos ouvidos de Danny Archer, um contrabandista, que decide obter a pedra para a vender, aproveitando-se do desespero de Solomon que só pensa em encontrar a sua família e resgatar o seu filho, que os guerrilheiros transformaram numa criança-soldado. Disposta a ajudar está a jornalista Maddy Bowen, que procura uma história verdadeiramente relevante para publicar.
O elenco tem imensa qualidade e é inteligentemente dirigido por Edward Zwick. Leo DiCaprio é o nome mais sonante e que mais se destaca: habituado a fazer papeis de galã, este filme marca uma reviravolta na carreira do actor, decidido a versatilizar-se e a provar ser mais que uma cara bonita para apimentar os sonhos eróticos das fãs. E ainda bem que o fez! O actor é incrível e faz um trabalho verdadeiramente desafiador com uma personagem muito amoral, complexa e psicologicamente desafiante. Djimon Hounsou não fica atrás dele e também nos brinda com um trabalho muito competente, ainda que mais convencional. Jennifer Connelly também se desembaraça muito bem dos desafios que tem pela frente, dando vida a uma activa e corajosa jornalista de investigação.
Tecnicamente, o filme tem imensa qualidade. A cinematografia é muito boa, aproveita bem as paisagens africanas e as cenas de acção são verdadeiramente cruas, intensas e rápidas, tirando o melhor partido possível dos efeitos especiais e do trabalho impecável dos duplos e técnicos de som e efeitos sonoros. Muito bem filmado e editado, o filme tem um ritmo excelente, e quase não sentimos o tempo passar enquanto o vemos. O trabalho de edição e sonoplastia mereceu, de resto, a nomeação ao Óscar, a par com os esforços de DiCaprio e Hounsou. Apesar disso, penso que o filme sofreu muito com a forte concorrência de outras películas de grande qualidade e só Hounsou tinha realmente uma boa possibilidade de arrecadar a almejada estatueta, como Melhor Actor Secundário. Ainda se falou em DiCaprio, mas eu sempre acreditei que era impossível para o actor ultrapassar a grandeza de Forest Whitaker, que venceu o Óscar de Melhor Actor com um trabalho impecável num filme que, curiosamente, também tem a África como palco privilegiado. Por fim, e feitas estas considerações, uma palavra de apreço para a banda sonora, assinada por James Newton Howard.
Em 21 Mar 2022