Autor: Filipe Manuel Neto
**O intrincado mundo do xadrez, na sombra de um dos seus mais controversos mestres.**
Há, no mundo do desporto – e para todos os efeitos, o xadrez competitivo acaba por ser como um desporto – uma certa obsessão pelas estrelas, e pela sua substituição, quando se afastam. Isso talvez seja mais visível no futebol: Messi foi muitas vezes descrito como um novo Maradona, para dar um exemplo daquilo que eu estou a falar. Este filme vai um pouco pela mesma lógica: após ter tido um grande mestre de xadrez que venceu um importante torneio mundial contra os imbatíveis russos (e em plena Guerra Fria), o filme leva-nos a conhecer o mundo dos juniores de xadrez, seguindo os passos de um jovem prodígio que pode, eventualmente, ser o “sucessor” desse jogador famoso, Bobby Fisher.
Pequena nota: ser um génio não significa ser uma boa pessoa ou uma pessoa de quem se venha a gostar. Bobby Fisher já faleceu, e faleceu relativamente novo, mas pautou a sua vida pública e a sua carreira por comportamentos imprevisíveis, uma enorme excentricidade e declarações aos jornalistas que são no mínimo polémicas. Tinha visões do mundo bastante radicais, era, ao que parece, anti-semita e negou o Holocausto. As declarações de Fisher acerca dos EUA, o seu país de origem – que abandonou há muitos anos – são verdadeiramente incendiárias e críticas. Basta uma leve pesquisa na Internet para verificarmos isso.
Eu não sei como anda a popularidade do xadrez actualmente, mas aqui em Portugal é comum e muito popular a nível escolar, mais como actividade recreativa, não como uma competição. Eu lembro-me de, nos meus tempos de escola, sair da sala de aula e passar quase todos os tempos de intervalo a jogar xadrez contra os meus amigos. E nós levávamos o jogo a sério, com prazer e entusiasmo. Tínhamos a noção da complexidade do jogo, mas nunca nos preocupamos em ser ferozmente bons, apenas em divertirmo-nos. Mas creio que qualquer um que saiba jogar xadrez entende o quanto pode ser um jogo desafiante.
O filme conta com um excelente elenco. Max Pomeranc, apesar de muito novo, é um simpático protagonista que parece dividido entre a genialidade e a normalidade. Isso torna-o acessível e dá-lhe uma fraqueza fascinante para alguém tão obviamente inteligente, e o jovem actor conseguiu entender a personagem desta forma, e equilibrar-se nesta personalidade rica. Ao lado, temos dois grandes actores – Ben Kingsley e Joe Mantegna – que nos dão trabalhos muito bem conseguidos. Para mim, este filme chega a ser um dos melhores de Mantegna. Joan Allen também faz um trabalho satisfatório, mas menos interessante, e Laurence Fishburne poderia ter sido melhor aproveitado.
Steven Zaillian teve a inteligência para nos dar um filme repleto de intelecto, inteligência e bons sentimentos. O roteiro está bem escrito, e os diálogos são bastante bons. A escolha dos locais de filmagem, os cenários e figurinos, tudo ajuda a construir um filme familiar, simpático, muito elegante. Não há grandes efeitos, o filme não os requer, mas há uma banda sonora eficaz, muito discreta, e uma cinematografia razoavelmente bem feita.
Em 31 Dec 2022