Autor: Filipe Manuel Neto
**A versão original do conto está fora de moda?**
Este filme foi muito mal compreendido pelo público. Ao contrário de filmes anteriores, que tentam reescrever contos de fadas tradicionais ou vê-los sob perspectivas novas ("Maléfica", "Para Sempre Cinderela" ou até mesmo as animações "Brave" ou "Entrelaçados"), este filme é a versão live-action do conto original, na sua versão mais tradicional. Portanto, sabemos toda a história e muito pouco foi alterado ou adicionado. Algum problema? Não para mim. Eu geralmente gosto das versões originais mais do que qualquer reinterpretação contemporânea, mas parece que os contos de fadas saíram de moda.
Uma das críticas que eu vi foi a atitude passiva de Cinderela: a menina foi educada sob valores de bondade e generosidade (algo que a nossa sociedade actual não conhece) e não está disposta a abdicar desses princípios perante uma adversidade. Talvez ela pense que trairia a memória da sua mãe. Para a nossa sociedade, que trata os mortos como desconhecidos e os que vivem ainda pior, tal submissão e servidão é inaceitável! O oprimido deve revoltar-se! A Cinderela não devia servir o chá, ela deveria pegar naquele bule e enfiá-lo pelas goelas da madrasta! Ou deveria ela bater com os pés e reclamar, dizendo "Eu não faço isto, estou farta"? Se você, que está a ler isto, também pensa que a Cinderela devia fazer uma revolta, então você é mais uma pessoa que esqueceu totalmente o que é um conto de fadas.
Um conto de fadas não é sobre a realidade ou o que nós fazemos. É sobre valores morais e o que devíamos fazer. O ensinamento moral transmitido por este conto é aquela passagem bíblica "dar a outra face", que o leitor deve ter ouvido na catequese, se a frequentou. O conto da Cinderela é sobre isso! Ela teve a coragem de suportar silenciosamente o sofrimento e perdoar os que a magoaram e assim, no final, a sua recompensa foi apaixonar-se por um príncipe e mudar a sua vida. O castigo da madrasta não tardou: ela acaba punida, mas não pela pessoa que ela mais ofendeu. Moral da história: ame o seu inimigo e perdoe, irá ter a recompensa mais cedo ou mais tarde.
Bem, o filme é ótimo e é absolutamente fiel ao conto de fadas original, inclusive no que diz respeito a figurinos e cenários, que são lindos. Infelizmente, o CGI é óbvio demais. Eu teria preferido cenários reais em locais apropriados ao invés da tela verde, que deveria ser usada com maior critério. Já vi algumas críticas ao grande decote do vestido de Cinderela mas, no período histórico em que o conto foi ambientado (século XIX), os vestidos de baile eram quase sempre muito decotados. Mas não reclame! Vemos mulheres com ainda menos roupas nas ruas de hoje e achamos isso natural!
Lily James e Cate Blanchett são as principais actrizes do filme e é o seu trabalho (como madrasta e enteada) que apoia toda a trama. Blanchett, sem surpresa, brilha com o seu charme de sempre e a malícia venenosa que atribui à personagem. James é uma actriz que eu ainda não conhecia mas gostei de ver, tendo feito o trabalho dela muito bem. É uma jovem, certamente este filme não será o filme da vida dela, mas deixou uma promessa de talento que pode florescer. Helena Bonham Carter e Stellan Skarsgård também entram no filme, em papéis secundários que o seu talento faz parecerem fáceis.
Este filme agradará facilmente a todos os que querem ver um filme com a história original da Cinderela. É o mesmo conto do livro que os nossos avós usaram para encantar a nossa infância. No entanto, se você preferir uma versão moderna da história, este filme não é para si.
Em 21 Jul 2018