Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme que desperta consciências mas que sabe manter-se neutro nas questões mais fracturantes.**
Neste filme, o irritante e provocador Ron Woodroof, um mulherengo texano, descobre, para sua surpresa, que tem SIDA, e decide ir buscar medicamentos e tratamentos mais eficazes do que aqueles que existiam, disponibilizando-os para todos aqueles que não os poderiam pagar. Além disso, dispõe-se também a combater os preconceitos que existiam em torno daquela doença, e que ele também tinha inicialmente. Dirigido por Jean-Marc Vallée, o filme tem roteiro de Craig Borten e Melisa Wallack, contando com Matthew McConaughey, Jared Leto e Jennifer Garner nos papéis principais.
A receita para o sucesso deste filme começa com a história: é uma história verdadeira baseada em pessoas que existiram e que lutaram para humanizar a vida dos doentes com SIDA, uma doença sem cura mas que hoje é mais compreendida. No entanto, Woodroof não é um herói, está longe disso. Começa por ser uma pessoa detestável e preconceituosa e só perto do final é que vemos como é que a sua luta mudou a maneira como ele pensa. De qualquer forma, é a consagração do trabalho de Matthew McConaughey, que alcançou uma performance excepcional, ao lado de Leto, cuja sensibilidade e luta contra os preconceitos o tornaram um símbolo de um certo tipo de doentes com SIDA. Por isso, ambos os actores receberam o Óscar, respectivamente para Melhor Actor e Melhor Actor Secundário. Um prémio, penso eu, mais do que merecido. O filme tem ainda uma boa fotografia, bons efeitos visuais e sonoros bem como uma banda sonora agradável, embora feita para não sobressair. De facto, o que importa mais neste filme é a história e o trabalho dos actores, não as questões de teor técnico.
Existem vários filmes notáveis sobre o universo da SIDA, da homossexualidade e das drogas. Na verdade, a maioria dos filmes que abordam uma destas questões acaba por ter de tocar, invariavelmente, nas outras. "Filadélfia" é um exemplo paradigmático disso. Tratando-se de um filme com temas difíceis, nota-se um esforço para mostrar alguns sentimentos sem ser piegas e tornar o filme uma novela mexicana. Também houve um esforço para não o tornar excessivamente militante ou virado para a defesa desta ou daquela ideia ou bandeira. Assim, o filme não parece ser tendencioso, o que é um feito difícil de conseguir quando se abordam questões socialmente fracturantes. Eu, pelo menos, valorizo muito esse tipo de esforço.
Em 23 Feb 2018