Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme extraordinário com um grandioso elenco e uma das melhores interpretações do Diabo que eu já vi.**
Confesso que é sempre um prazer ver e rever este filme. É um daqueles filmes que nos faz pensar e que mexe com um dos temas mais interessante e apelativos que existe: a religião e a luta eterna entre o Bem e o Mal, entre Deus e o seu eterno inimigo, o Diabo. E este filme dá-nos, precisamente, a melhor interpretação do Príncipe do Mal que o cinema já viu!
O roteiro dificilmente poderia ser melhor: acompanhamos a trajectória de sucesso meteórico de um advogado da Flórida, Kevin Lomax, que é contratado por uma prestigiada sociedade de advogados de Nova Iorque dirigida por John Milton que, sem ninguém saber, é o próprio Diabo. O cargo é tão bom que Lomax nem pensa duas vezes: um excelente salário, um vasto e bom apartamento e outras regalias em troca de um esforço permanente em prol da empresa, a defender casos que, à primeira vista, parecem perdidos. Mas as coisas vão piorar quando ele tem de escolher entre o trabalho e a vida pessoal.
Aos poucos, o público começa a aperceber-se de coisas que nem a própria personagem central da trama consegue ver, começando pelo elevado nível de amoralidade e perversão que reina na firma, onde o patrão ostenta os seus casos sexuais com assistentes e funcionárias, e onde as festas da empresa acabam em autênticas orgias. Igualmente notáveis são os diálogos, muito particularmente os monólogos de Al Pacino, que nunca são fastidiosos, antes empolgantes pela energia que ele emprega. Ao longo do filme há várias menções veladas a *“Paraíso Perdido”*, um clássico da literatura inglesa, e por vezes conseguimos mesmo ver Lomax prestes a cair em desgraça, também, como sucedeu a Adão.
Creio que, para além de uma história interessante, o ponto mais forte deste filme é o trabalho impecável e esmagador de Al Pacino, que ensombra completamente o resto do elenco quando está presente. Penso que ele gostou muito da sua personagem e o resultado do seu empenho é mais um trabalho grandioso… não é o melhor trabalho do actor porque ele fez imensos filmes e personagens colossais (*O Padrinho*, *Serpico*, *Perfume de Mulher*, etc.), mas é um dos que eu mais gosto de ver, seguramente. Ele, pela forma como “defendeu” a acção diabólica nos seus argumentos e raciocínio, acaba por ser o verdadeiro advogado do Diabo. Keanu Reeves, que interpretou Lomax, tem espaço para nos brindar com um trabalho muito bom e cheio de talento, mas deixa-se claramente secundarizar por Pacino. No elenco secundário há ainda bons desempenhos de Charlize Theron, Jeffrey Jones e Connie Nielsen.
Tecnicamente, é um filme que tem o seu valor, mas que sabe dar espaço à história contada e ao desempenho do elenco, nunca caindo na tentação de permitir que a técnica se sobreponha à arte dramática. A cinematografia é muito boa, e faz um uso inteligente dos jogos de luz e sombra para criar o ambiente mais adequado a cada sequência e cena. As paisagens urbanas de Manhattan são já conhecidas de qualquer cinéfilo, mas ficam sempre bem em filme e foram muito bem aproveitadas aqui. Os cenários são extraordinários e pensados nos mínimos detalhes. Sendo um filme que passa muito tempo nas casas das personagens, a criação de ambientes fechados foi importante e cada apartamento revela bastante sobre a personagem que o habita: por exemplo, o detalhe particular de o apartamento de Milton não ter um único quarto de dormir… o Diabo nunca dorme, de facto. Por fim, uma palavra para os efeitos especiais, visuais e de som, que surgem pontualmente sustos ou na animação da obra de arte sobre a escrivaninha de Milton, mas que são extremamente bem feitos, e também para a banda sonora, que inclui excelentes peças originais compostas por James Newton Howard, além de algumas canções conhecidas, como a famosa canção *Paint it Black*, dos Rolling Stones.
Em 20 Sep 2020