Autor: Filipe Manuel Neto
**Para mim, o melhor filme de 1997 e um dos melhores do fim do milénio.**
Este filme é um excelente tributo cinematográfico, homenageando, de certa maneira, não só a era dourada do cinema americano, mas também o cinema ‘noir’, com um estilo que se assemelha largamente ao visual estilizado e sombrio destes filmes, mas desprovido das sombras e do visual algo escuro que os caracteriza. O filme está hoje um pouco esquecido, ou pelo menos eu não o tenho visto passar muito nos canais de TV especializados em cinema… mas o facto é que é uma obra notável de cinema, ganhou dois Óscares (Melhor Actriz, para Kim Basinger, e Melhor Argumento Adaptado) e recebeu indicações para mais sete estatuetas (Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Fotografia, Melhor Direcção de Arte, Melhor Edição, Melhor Som e Melhor Banda Sonora). Foi, de resto, o grande filme de 1997, melhor até do que *Titanic*.
O filme ambienta-se nos anos dourados de Hollywood: pouco depois da prisão do maior mafioso da cidade, a polícia parece decidida a impedir a formação de novos sindicatos do crime, mas, gradualmente, a podridão e corrupção da própria força policial tornam-se evidentes. Do meio deles destacam-se três polícias, por motivos diferentes: o brutal Bud White, o egocêntrico Jack Vincennes, o determinado e incorruptível Ed Exley. Cada um deles, sozinho e à sua maneira, dá por si a investigar o mesmo crime: a morte de um polícia num massacre ocorrido no interior de um restaurante, e a sua eventual relação a um mafioso que gere uma rede de prostitutas de luxo, operadas cirurgicamente para se assemelharem a vedetas do cinema.
Adorei este filme, sob todas as formas envolvente. O roteiro é extraordinário e desenvolve-se de maneira incrível, dando a cada uma das personagens o tempo para se desenvolver, mesmo a algumas que, de outro modo, seriam relegadas para um amorfo pano de fundo. Tal como num bom filme ‘noir’, as mulheres não são tão inocentes quanto aparentam, e a polícia está longe de ser a heroína desta história. Não há personagens unilaterais, todos tem um rico espaço sombrio no seu âmago, que o roteiro aproveita tanto quanto pode.
O elenco é verdadeiramente colossal e está cheio de nomes grandes. Kevin Spacey consegue, com este filme, um dos seus melhores trabalhos como actor, pelo menos para mim, e o mesmo se pode dizer de Kim Basinger, numa personagem sombria e que nos relembra uma das actrizes mais injustiçadas e esquecidas da era dourada de Hollywood: Veronica Lake. Será que o Óscar atribuído a Basinger neste ano também não acabou sendo, indirectamente, um prémio póstumo a esta grande actriz, que Hollywood devorou, mas nunca estimou ou honrou? Além destes dois actores, o filme conta ainda com um excelente trabalho de dois actores australianos, Russel Crowe e Guy Pearce, ambos ao melhor nível, e um grandioso Danny De Vito, numa personagem amoral e deliciosamente hipócrita. James Cromwell foi igualmente excelente no seu papel.
Tecnicamente, o filme está recheado de valor e qualidade, começando por uma cinematografia grandiosa, que evita cair no lugar-comum dos filmes noir e enche a tela de cor e luz, captando o sol californiano e a beleza da cidade nas suas cores ricas. Os locais de filmagem escolhidos para as gravações são excelentes e o seu uso criterioso ajudou o filme a enquadrar-se no período e no contexto de uma forma impecável. Os cenários e os figurinos, bem como os automóveis que foram usados, ajudam muito na criação de um ambiente e de uma noção temporal clara, e são magníficos na tela. A banda sonora, a cargo de Jerry Goldsmith, é impecável e aparece na hora certa.
Em 18 Apr 2021