Autor: Filipe Manuel Neto
**Um dos grandes filmes da carreira de Hitchcock.**
Alfred Hitchcock era, verdadeiramente, um mestre, e não há muito directores que possam apresentar um currículo tão vasto, tão rico e tão merecedor de aclamação. Por ironia, não ganhou um único Óscar pelo seu trabalho como director e mesmo este filme, que foi um dos mais premiados da sua obra, arrecadou somente dois Óscares (Melhor Filme e Melhor Cinematografia a Preto-e-Branco) na cerimónia de 1941.
O filme foi produzido por David O. Selznick através do seu próprio estúdio, que então se afadigava a concluir e a lançar “E Tudo o Vento Levou”. Ele adquirira os direitos para filme cinematográfico do romance original, de Daphne du Maurier, e esperava que Hitchcock fosse fiel ao material. Ele fez-lhe a vontade a contragosto, mas impôs os seus métodos de trabalho profundamente detalhistas atrasando bastante as filmagens, no que foi só um dos pontos de fricção entre produtor e director. As coisas chegaram ao ponto de Hitchcock proibir a entrada de Selznick no “seu” estúdio e impedir as suas interferências, filmando apenas o que pensava que ia utilizar a fim de restringir o corte final.
Escusado será dizer, acredito, que Hitchcock nos brindou com mais uma obra memorável e digna da estante de todo o cinéfilo. A cinematografia, a preto e branco, é modelada com enorme cuidado e beleza, recorrendo a algumas técnicas bastante inovadoras para a época. A banda sonora também funciona maravilhosamente e é muito atmosférica. Os cenários da mansão e os figurinos também foram pontos em que a produção investiu bastante e se aplicou, de maneira a conferir maior realismo. Parece que os exteriores da casa eram, de facto, um modelo à escala.
O roteiro é impressionantemente eficaz: após um namoro rápido, um homem muito rico casa-se com uma jovem de origens modestas e leva-a para a sua impressionante mansão. No entanto, ele era um viúvo recente, e a casa está cheia de recordações perturbadoras do anterior casamento, como se a primeira esposa ainda perambulasse por ali, e se tornasse numa presença palpável que ameaça separar o casal. Há pelo meio mais elementos, como a estranha obsessão da governanta da casa pela sua anterior patroa, a quem devotou uma lealdade bizarra, e o adensar dos mistérios levam a um final surpreendente, pelo que vale a pena não ler nada sobre o filme antes de o ver na totalidade. Claro, se pensarmos sobre isso, torna-se incompreensível que, com uma nova esposa, aquele homem tenha mantido a governanta em sua casa, juntamente com todos os objectos que pertenceram à finada…
Joan Fontaine foi escolhida para a personagem principal, dando-nos uma interpretação de qualidade, muito convincente. Ela parece estar à beira de um colapso nervoso durante um enorme período de tempo e isso foi o que certamente lhe rendeu o Óscar de Melhor Actriz por este trabalho, um dos melhores da sua carreira. Laurence Olivier faz também um bom trabalho e, apesar de ter detestado a escolha de Fontaine (ele pressionou a produção para dar o papel à sua companheira na vida real, Vivien Leigh) e não ter tido uma relação boa e amigável com a colega, é extraordinariamente competente quando estão juntos em cena. Judith Anderson também merece um louvor pelo seu trabalho.
Em 12 Apr 2024