Autor: Filipe Manuel Neto
**Um excelente filme sobre a misteriosa máfia russa.**
Confesso que esperava menos deste filme. Gosto bastante de filmes ambientados no mundo da máfia, mas a máfia russa era algo que eu tinha raramente visto em filme até aqui. Este filme é muito bom na tarefa de nos mergulhar nesse universo, e David Cronenberg foi feliz na forma como levou a bom porto este seu projecto, um pouco fora do seu registo habitual.
O filme acompanha uma parteira londrina, Anna, na sua missão para descobrir mais acerca da jovem mãe de uma bebé que viu nascer, e que tudo indica ter sido uma prostituta do Leste. As pistas essenciais virão de um diário, mantido pela adolescente, que a ligarão a uma respeitável e abastada família russa, residente em Londres, a qual está por detrás de um poderoso ramo da máfia russa no Reino Unido. O roteiro, envolvente e inteligente, parece credível e lógico na maior parte do tempo, e consegue envolver o público e instigar a nossa curiosidade. Uma coisa que eu, particularmente, tenho a louvar, é o uso recorrente do russo e do ucraniano no filme, um recurso que pode confundir a cabeça dos públicos anglófonos, mas que eu achei excelente, apropriado e inteligente, na medida em que os actores o fizeram bem, sem que soasse falso ou forçado em algum momento. O ponto alto do filme são as cenas de acção, e particularmente a luta nos banhos turcos protagonizada por Mortensen. A partir daí, o filme continua e mantém o nosso interesse, mas não consegue dar-nos algo tão intenso ou emocionante.
Para mim, e se excluirmos os filmes das trilogias *Senhor dos Anéis* e *Hobbit*, este é o maior e melhor filme da carreira de Viggo Mortensen, até ao presente momento. Também gostei do seu trabalho em *Hidalgo*, mas penso que o actor o superou aqui. Não sei até onde é que era suposto que a sua personagem tivesse o carisma que ele lhe deu, mas Mortensen conseguiu dominar o filme, com uma performance magnética, poderosa e intrigante. Outro actor que fez um excelente trabalho foi o veterano Armin Mueller Stahl, no papel do patriarca da família que é o tronco deste filme. Ele parece carinhoso e gentil, refinado e muito cortês, mas esconde um lado obscuro, brutal e cínico. Inicialmente, achei Vincent Cassel um pouco unidimensional com a sua personagem excessivamente brutal e violenta, mas creio que o actor soube trabalhar isso e resolver eficazmente os problemas que a personagem lhe colocou. Paradoxalmente, e apesar de ser a personagem principal por excelência, é Naomi Watts que mais se apagou neste filme, com uma personagem que parece limitar-se a seguir a corrente de informação que vai tendo e que não parece ter muito mais o que fazer no filme. Ainda uma palavra para o bom trabalho de Sinéad Cusack e Jerzy Skolimowski, como pais de Anna.
Tecnicamente, é um filme que tem muitos pontos de interesse, começando pelo ritmo bem colocado e regular, e passando por uma cinematografia elegante e por uma escolha criteriosa dos locais de filmagem. Visualmente, é um filme bonito e que agrada ao olhar. O som também funciona muito bem, e os efeitos visuais, especiais e sonoros, pontualmente colocados, são de qualidade e funcionam bem. Os figurinos e os cenários são muito bons, mas estão dentro de um padrão expectável, e a banda sonora, escrita por Howard Shore, não me pareceu assim tão boa quanto eu poderia exigir num filme com tantas qualidades.
Em 23 Jul 2021