Autor: Filipe Manuel Neto
**Apesar de ter qualidade e alguns méritos, principalmente a nível técnico e visual, já vi a Dreamworks fazer melhor.**
Confesso que não me sinto defraudado com este filme. Nunca poderei dizer que é excelente, mas pelo menos cumpre o que promete, dá-nos entretenimento familiar ingénuo, levemente engraçado e adequado a um serão em família. Há filmes melhores, de facto, e a Dreamworks já fez muito melhor do que isto, mas não é um filme mau.
O roteiro conta-nos a história da invasão do nosso planeta por uma civilização extraterrestre, os Boov. Eles estão a fugir de outra raça alienígena mais forte e mais combativa, e aperfeiçoaram a ignóbil arte da fuga, o que significa que preferem fugir e esconder-se a lutar contra seja quem for. Apanhados de surpresa, os humanos são aprisionados e deslocados em massa para cidades planeadas, aparentemente todas situadas na Austrália, deixando o resto do planeta para o novo ocupante. Em meio a tudo isto, um determinado boov, chamado Oh, acaba por ser ostracizado e perseguido pelos seus ao cometer um grave erro de comunicações e encontra ajuda na forma de uma jovem rapariga adolescente, cujo desejo é encontrar a sua mãe.
Sinceramente, tenho certas reticências quanto ao roteiro, aos diálogos e às piadas. Por um lado, a trama envolvendo mãe e filha é tocante e dá alguma alma a um filme que precisava disso para funcionar minimamente. Por outro, há muitos diálogos e piadas forçadas, e há questões básicas de ciência que são ignoradas e atropeladas, por exemplo, a capacidade dos Boov respirarem no nosso mundo ou adaptarem-se à nossa gravidade e à carga viral e bacteriológica do nosso mundo. A inacção humana perante a invasão também não é crível, dada a nossa tecnologia para antever visitas e a quantidade de armamento de que dispomos e que podíamos usar numa crise deste tipo. Tudo o resto é bastante misto: algumas piadas funcionam bem, mas outras nem tanto, sendo Oh o detentor da maior quantidade de piadas sem graça.
Outro problema que eu senti neste filme foi a fraca construção e criação das personagens. Oh acaba por ser a mais desenvolvida, ainda que seja também a mais irritante e a que mais nos cansa. Ele porta-se como uma criança irrequieta e desobediente, o que inclui colocar quase tudo o que encontra na boca (a cena dos lavabos), falar sem controlo e mentir descaradamente. Tip é uma adolescente negra de idade indefinida (ela é tão alta quanto a sua mãe, mas as roupas e estilo indicam que não terá dezoito anos… todavia ela sabe dirigir automóveis, e por isso pode ter já a licença de condução, o que na generalidade dos EUA pode ser obtido a partir dos 16 anos), mas com uma maturidade e independência incomuns para a sua idade. Mas isto é tudo o que temos, sendo o resto das personagens idealizado ao mínimo.
O filme fez uma aposta forte no elenco vocal, chamando vários actores com experiência e com talento para trabalhar com a sua voz. Steve Martin, que deu voz ao Capitão Smeck, brilhou nessa tarefa e aproveitou inteligentemente as suas capacidades como comediante; Rihanna também fez um trabalho satisfatório, ainda que a sua voz seja talvez demasiado densa e adulta para uma adolescente que acaba de sair da puberdade (onde tanto homens quanto mulheres sofrem uma série de mudanças de voz, como é sabido); apesar de quase não se fazer ouvir, Jennifer Lopez faz um bom trabalho e só lamento que tenha tido tão pouco que fazer. Quem realmente sai em perda aqui é Jim Parsons, que contribui largamente para tornar Oh ainda mais cansativo e chato do que seria sem aquela voz aguda, estridente e incisiva.
A nível técnico, a DreamWorks colocou neste filme toda a sua capacidade e criatividade, dando-nos uma animação muito bem executada, com excelentes cores (e um trabalho magistral das cores e das variações cromáticas, como se pode ver na pele camaleónica dos Boov). Também a luz e o contraste foram muito bem alcançados pelo departamento visual do estúdio. A forma e a anatomia dos alienígenas é original, e foi claramente inspirada nas criaturas marinhas do nosso mundo (observe-se como os Boov parecem polvos e a sua pele muda como a de polvos e chocos, e observe-se também como o outro alienígena se parece com uma Estrela-do-Mar). Não gostei do ritmo do filme, desigual e inconstante, talvez fruto de uma edição relativamente coxa. Por sua vez, a banda sonora tem um punhado muito diminuto de canções boas, das quais destaco *Towards the Sun*, de Rihanna, e *Feel the Light* de Jennifer Lopez. Porém, estando ambas as cantoras na lista de actores de voz, isto parece estranho. Terá sido uma manobra do estúdio para poupar dinheiro e aproveitar as cantoras que iam fazer trabalho de voz?
Em 10 Apr 2022