Autor: Filipe Manuel Neto
**Digno, cheio de qualidades, é um filme de grandes méritos, não obstante, algumas fraquezas.**
A Guerra Civil Americana é um daqueles momentos históricos que dá para muitos filmes, posto que foi um dos grandes momentos definidores do curso histórico dos EUA. Este filme foi dirigido por Anthony Minghella, que nos deixou filmes tão bons quanto *O Paciente Inglês* e *O Talentoso Mr. Ripley*, com que este filme faz um trio, um "best-off" do director. O filme, de resto, foi um dos grandes lançamentos cinematográficos de 2003 e um sério competidor nos Óscares de 2004, com sete nomeações das quais apenas logrou alcançar uma.
Apesar de ser um filme ambientado na guerra civil, tem poucas cenas de guerra, preferindo dar ao público mais um romance em tempo de conflito, ao estilo de *Pearl Harbor*: ele vai lutar e ela sofre na rectaguarda, ansiando pelo retorno do seu amado. O filme é feliz na maneira como dá um panorama da posição política da Carolina do Norte, que vai entrar tardiamente para a Confederação e onde, a despeito do entusiasmo juvenil de alguns e dos interesses pessoais de outros, a causa sulista não era tão unânime. Muito menos bem desenhado é o romance que faz o tronco do roteiro: afinal de contas, amores à primeira vista são algo difícil de levar a sério e são os próprios protagonistas a assumir que não se viram e falaram muito antes da mobilização, apesar da paixão que os une. Isso dá ao romance deles um toque de incredibilidade.
Apesar dessa fraqueza, temos dois grandes actores a empenhar-se ao máximo nesta história: tenho de destacar particularmente o esforço de Nicole Kidman que nos dá um dos trabalhos mais poderosos da sua carreira (melhor do que em *Moulin Rouge* e sem o distanciamento e frieza que a personagem dela exigia em *As Horas*). Insegura, mas corajosa, esperançosa num amor que tinha tudo para dar errado, a personagem dela exigia muito da actriz, e ela conseguiu estar à altura do desafio. Em segundo plano, Jude Law é igualmente feliz aqui, ao dar vida a um trabalhador rural recrutado para lutar numa causa que sente ser dos outros e não sua, até ser ferido e aproveitar para desertar e voltar para casa. Porém, a personagem não tem tanta subtileza e profundidade quando poderia. Muito mais rica e interessante é a figura interpretada por Renée Zellweger que, tal como Kidman, acabara de ter sucesso como protagonista de um musical (*Chicago*, enquanto Kidman havia feito *Moulin Rouge*). A personagem dela, neste filme, é uma mulher trabalhadora, empoderada, segura de si mesma e que não espera que façam nada por ela… de certo modo, fez-me lembrar muito de Sofia, personagem interpretada por Oprah Winfrey em *A Cor Púrpura*, há muitos anos. A recompensa pelo trabalho da actriz foi o Óscar de Melhor Actriz Secundária, após dois anos consecutivos em que foi nomeada para a estatueta e a viu escapar-se para outras mãos. O elenco é completado por honrosas e talentosas adições, das quais merecem destaque Philip Seymour Hoffman, Brendan Gleeson, Donald Sutherland e Ray Winstone. Pela negativa, quero destacar as participações de Natalie Portman e Giovanni Ribisi… não pelos deméritos dos actores, mas principalmente pela maneira como o filme não os soube aproveitar tanto quanto poderia, pela pouca relevância das suas personagens para a trama em desenvolvimento.
Tecnicamente, o filme tem imensas qualidades, começando pela impecável cinematografia, em que o uso hábil da câmara nos permite ter muita nitidez, luz e uma paleta de cores bonita, dando intimismo às cenas mais românticas ou introspectivas sem deixar de conferir grandiosidade aos cenários de guerra e dinamismo às cenas de acção. A adição de excelentes efeitos visuais e de som, muitas vezes com recurso ao CGI e outros instrumentos digitais, foi um bónus para todo o espectáculo cinematográfico. Os cenários e os figurinos adequam-se perfeitamente ao tempo e à época retractada, não havendo anacronismos gritantes que façam um historiador arrancar os cabelos. O filme é relativamente longo, com duas horas e meia de duração, mas foi bem editado e só o senti arrastar-se nalgumas cenas muito concretas. Os diálogos foram bem feitos, mas são os monólogos que lhe dão mais dramatismo graças às cartas das personagens, as quais são um pouco melodramáticas demais. A banda sonora faz um trabalho satisfatório, mas também não tem nenhum tema que sobressaia particularmente.
Em 01 Dec 2021