Autor: Filipe Manuel Neto
**Um espectáculo visual assente num roteiro um pouco coxo, onde o elenco tentou sem conseguir e o director não exigiu muito.**
Há certos filmes que são feitos apenas pelo dinheiro que se espera arrecadar com eles. Após ter visto este filme, penso que ele se encaixa nessa descrição. *Alice no País das Maravilhas* foi um êxito de bilheteira, de crítica e obteve um bom encaixe financeiro. A sequela, expectável, aproveita o título de um conto que Lewis Carrol escreveu após *Alice no País das Maravilhas*. Só o título! A história deste filme não tem nada a ver com o livro que, por curiosidade – ou talvez não – fez 145 anos no ano em que o filme foi lançado.
O roteiro começa com o regresso de Alice de uma viagem aos mares da China e a descoberta de que a sua mãe se havia endividado e passado o controlo da firma familiar para Hamish que, por despeito, decidiu vingar-se forçando-a a vender o navio. É neste contexto que Alice regressa ao país mágico que já conhece após atravessar um espelho. Ali, ela descobre que foi “convocada” ao país para ajudar o Chapeleiro Louco, que está a morrer de tristeza por acreditar que toda a sua família, presumivelmente morta, pode afinal estar ainda viva algures. Alice terá, então, que viajar até ao Castelo do Tempo, onde está a Cronosfera, um mecanismo controlado pelo Tempo e que lhe permitiria viajar no tempo e descobrir o que aconteceu aos familiares do Chapeleiro.
Confesso que fiquei pouco impressionado com este filme. Penso que a direcção de James Bobin apostou muito no visual e pouco no roteiro. Aliás, achei surpreendente Burton não ficar com a direcção do filme e preferir ficar na produção. Creio que teria sido melhor para o filme ter Burton na cadeira. O roteiro de Linda Woolverton pareceu-me previsível e pouco criativo, com diálogos infantis, piadas forçadas e demasiados trocadilhos que perdem a graça com o tempo. O material que foi dado aos actores provavelmente também não foi o melhor.
Mia Waskikowska é bastante boa como Alice, parece segura e confiante. Helena Bonham Carter deu alma e sentimento a uma personagem que, assim, foi bastante humanizada. Sacha Baron Cohen também está em boa forma e isso reflecte-se na forma inspirada e divertida como deu vida ao Tempo. Aposto que o actor se divertiu com a personagem e fez este trabalho com prazer, eu consegui sentir isso ao vê-lo. Porém, se colocarmos de lado estes três actores que, de facto, estiveram muito bem, o desempenho do elenco é geralmente fraco. Johnny Depp, por exemplo, foi uma sombra de si mesmo, e ele é um daqueles actores que eu considero quase uma aposta segura para personagens fantásticas. Acredito que a fase má que ele passava ao tempo das filmagens teve forte influência (o divórcio tempestuoso e mediático com Amber Heard), mas o mau material do roteiro também não o ajudou. Anne Hathaway também esteve mal, numa actuação sem vida, sem emoção, como se não estivesse empenhada no trabalho dela. O filme tem ainda as participações de Rhys Ifans, Geraldine James, Lindsay Duncan e Leo Bill, mas todos parecem estar à deriva, fazendo como acham melhor e sem grande apoio do director. Os actores de voz, como as suas personagens, foram postos em terceiro plano de importância, destacando-se só a brevíssima contribuição de Allan Rickman pelo facto de ter sido o seu último trabalho.
Tecnicamente, o filme é grandioso, como o fora anteriormente o seu predecessor. São filmes de grande enfoque visual, e onde muito dinheiro é investido em CGI e efeitos de última geração. O resultado é o que se calcula: um espectáculo visual com uma cinematografia colorida, vibrante e intensa. Os efeitos da tempestade no mar e das manobras marítimas do navio de Alice foram muito bem feitos e o mundo fantástico do País das Maravilhas parece incrível, ainda que não tão absurdo quanto a imaginação de Carrol teria gostado, creio. Isso é compensado pelo Castelo do Tempo, tão extravagante quanto possível, e os figurinos também ajudam (a começar pelos do Tempo e pelas duas rainhas, não gostei muito do traje oriental de Alice, confesso). Ainda uma palavra para a boa concepção dos Segundos e, particularmente, da guarda da Rainha Vermelha, inspirada pela magnífica arte de Arcimboldo, que é um dos meus artistas preferidos do período renascentista. Quem nunca viu uma das suas obras precisa ver. Quanto à banda-sonora de Danny Elfman, acredito que satisfaz as expectativas, mas não sobressai.
Em 09 Feb 2021