Autor: Filipe Manuel Neto
**Sem uma liderança carismática, boas personagens ou uma boa história, é muito mais fraco do que o pior dos filmes de Harry Potter.**
O universo de Harry Potter tornou-se num dos fenómenos cinematográficos mais lucrativos e marcantes que conhecemos. Pessoalmente, sou um de muitos adolescentes que leu os livros e viu os filmes todos. Mas tive medo quando soube da ideia deste filme. O ambiente é muito diferente do que vimos em Harry Potter e, se não fossem as menções a vários elementos que vimos nos filmes anteriores, a ligação seria muito leve. A acentuar as diferenças está o facto de este filme decorrer entre as guerras mundiais e ter Nova Iorque por cenário.
A ideia para este filme veio do pequeno livro *Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los*, e o filme acompanha as aventuras do autor ficcional desse livro, Newt Scamander. Ele vai a Nova Iorque com uma mala de monstrinhos. Alguns escapam e o seu afã para os recapturar coloca a cidade em alvoroço e traz preocupação para as autoridades do mundo mágico norte-americano. Entretanto, ocorrem incidentes que são imputados aos animais de Scamander, o qual refuta responsabilidades e acaba engajado num esforço para descobrir que ser poderoso e maléfico os provocou.
A história, sombria e carregada de mistério, consegue manter o nosso interesse mas para isso contribuiu muito o prestígio da associação ao universo de Harry Potter e a nossa curiosidade e vontade de ver como tudo vai acabar. De facto, terminado o filme, verificamos melhor todos os seus problemas, os quais prejudicam muito o filme e tornam-no muito mais aborrecido do que o pior dos filmes de Harry Potter: demora muito a desenvolver-se e a história, que parece inicialmente confusa, acaba por se revelar ilógica e subdesenvolvida, como se tivesse sido feita só para dar base a um bombardeamento massivo de CGI e efeitos visuais. Outro problema são as personagens, que são mal desenvolvidas e geralmente uni-dimensionais. Scamander pode ser inteligente e nerd mas não tem carisma e espírito de liderança. As feiticeiras Goldstein variam entre a burrice ingénua e a teimosia. Credence parece um autista com uma depressão traumática e Kowalski é apenas um “muggle” idiota. Isto para mencionar algumas personagens.
David Yates fez um bom trabalho e estou convencido que foi determinante para impedir este filme de ser um fiasco completo. De facto, com estes problemas todos, o desempenho geral dos actores, na maioria pouco conhecidos para mim, é naturalmente afectado e só a mão de um director hábil poderia ajudá-los. Apesar de ser um bom actor, Eddie Redmayne não faz milagres e está longe dos melhores trabalhos. Dan Fogler conseguiu ser mais interessante e carismático que ele, na mesma proporção em que soube ser engraçado e cativar a simpatia do público. Alison Sudol também capta essa simpatia ao dar à sua personagem uma aura cândida e doce, mas é tão açucarada e burra que tive vontade de lhe atirar com uma cadeira. Outro actor capaz de se tornar simpático aos olhos do público e de se sair minimamente bem foi Ezra Miller, mas acho que ele não teve material suficiente para desenvolver a personagem dele além da raiva e de uma choradeira depressiva. Katherine Waterston pareceu-me desinteressante e sensaborona. Colin Farrell é sombrio mas parece não saber o que está a fazer. Carmen Ejogo é detestável e pior que ela só Samantha Morton, que parece ter-se inspirado na bruxa má dos contos. Temos ainda as adições de Ron Perlman, irreconhecível mas impecável como habitual, e de Johnny Depp, que não faz mais do que um cameo irrelevante e sem interesse, mas que deixa o gancho para os filmes seguintes.
Tecnicamente, este é um filme muito visual, graças a toneladas de CGI de altíssima qualidade, como seria de esperar. É um filme caro, uma verdadeira superprodução onde a tela verde foi determinante. Como não podia deixar de ser, o filme está carregado de criaturas mágicas que nunca vimos antes e cada uma delas é mais incrível que a outra. Gostei muito especialmente do niffler, que parece um simpático ornitorrinco cleptomaníaco. A cinematografia é pautada por boas cores, um ambiente enevoado mas agradável, bom uso de claros e escuros e uma filmagem muito nítida. A acrescentar qualidade estética temos o charme dos Anos Trinta, a década de ouro de Nova Iorque. Poucas décadas nos deram tanto charme e estilo: carros magníficos, roupas e adereços que ainda estão na moda e uma paisagem urbana incrível onde nem faltam os nevoeiros e a chuva. Por momentos, quase me senti num filme de gangsters, faltando só o fundo de jazz. A banda sonora, de James Newton Howard, é boa e épica, mas não surpreende quem já viu Harry Potter.
Apesar de o filme transpirar estilo, falta-lhe conteúdo, boas personagens e uma personagem principal forte e carismática. De qualquer modo, conseguiu uma proeza que nem Harry Potter, que bateu recordes de bilheteira, logrou alcançar: finalmente a franquia venceu um Óscar, de Melhor Figurino, o que de facto foi merecido.
Em 26 Jun 2020