Autor: Filipe Manuel Neto
**Interessante, apesar de ser parcial e historicamente pouco rigoroso.**
Este filme é muito interessante por várias razões, mas a principal é, na minha opinião, mostrar um período conturbado, decisivo para a construção do mundo moderno: neste período, a cultura e a religião pagã clássica (de matriz greco-romana mas já absorvendo características religiosas e culturais de povos como os egípcios) vai enfrentar uma comunidade cristã moralmente motivada e aguerrida, decidida a derrubar o paganismo à força. Este filme mostra os danos colaterais que o conhecimento científico sofreu graças ao fanatismo religioso e à associação dos eruditos clássicos ao paganismo.
Embora existissem vários confrontos entre cristãos (principalmente por causa de heresias, que nunca são faladas no filme), estes geralmente tinham uma atitude mais defensiva para com os pagãos, que a história lembra como os perseguidores. Mas essa atitude mudou no fim do Império Romano, quando os cristãos se tornaram muito mais importantes socialmente. O filme mostra-nos essa mudança, com os cristãos (liderados pelos parabolanos, voluntários que cuidavam de doentes e mortos sem serem monges, mas que mais tarde se tornaram o "braço armado" dos bispos cristãos) a começar a rebelar-se, matando e perseguindo os pagãos e as suas ideias, forçando a uma série de conversões em massa. Assim, aquela cidade parece ter passado do paganismo ao cristianismo em um par de dias, o que é desmentido pela história. É um facto que a conversão dos pagãos levou mais de um século. Quando estes conflitos ocorreram, provavelmente a maioria da cidade já era cristã, e os confrontos foram alargados aos judeus pela mão do bispo São Cirilo de Alexandria, prova de que um santo não precisa ser um anjinho. Os conflitos entre ele e outros patriarcas da fé cristã (Antioquia, Jerusalém, Bizâncio, Roma) nunca são falados. Assim, podemos concluir que o roteiro, de Alejandro Amenábar (que também é o director) e Mateo Gil, é um reflexo pálido e parcial de todas estas mudanças.
O elenco, liderado por Rachel Weisz e Max Minghella, faz um trabalho razoável. Weisz desempenha o papel de Hipátia de Alexandria, uma famosa matemática e astrónoma que foi uma das mentes mais brilhantes do período final da era clássica. É uma actriz muito boa, que fez alguns filmes notáveis e mostra novamente a sua versatilidade. Minghella também esteve bem como Davus, amante platónico de Hipátia. Finalmente, uma palavra para os trajes e cenários: os trajes parecem encaixar-se na época e no lugar, com as suas influências clássicas, mas não sei se a cidade de Alexandria (em particular a biblioteca) era tão semelhante aos templos egípcios pré-clássico, em especial se considerarmos que a cidade foi fundada por Alexandre o Grande e que as escavações arqueológicas revelam uma cidade clássica, semelhante às gregas ou às latinas.
Este filme é bastante regular: apesar de negligenciar a verdade histórica e fazer um retracto altamente parcial e negativo dos cristãos, o filme mostra-nos um momento interessante do passado, onde muita coisa mudou depressa e violentamente. Além disso, entretém o público bem e conta uma boa história.
Em 04 Apr 2018