Autor: Filipe Manuel Neto
**O Texas ontem e hoje: um filme onde o passado serve para tecer considerações para o presente.**
Para nós, os portugueses, que não somos norte-americanos e vemos os EUA de fora, é difícil ter a percepção das enormes diferenças internas entre os estados norte-americanos. Para nós, os EUA são um país de dimensão continental, que transmite para o exterior uma imagem unida e uniforme. E essa imagem não podia ser mais enganadora: os EUA continuam a ser uma união de cinquenta pequenos países em miniatura, que têm governos, autoridades e leis próprias, as quais não se aplicam necessariamente em toda a parte. E tal como nos ensina a história: o caso do Texas é ainda mais extravagante: o Texas é um país que adquiriu a sua independência face ao México, e só depois disso é que, por sua vontade, se uniu aos EUA (antes de tentar sair novamente, com os demais estados da Confederação). Portanto, é um país por direito próprio, assim como a Califórnia e o Havai, um reino independente até ter sido invadido pelos EUA.
Estou a dizer tudo isto porque este filme, apesar de não ter nada a ver com estes assuntos, faz alongadas divagações sobre estes temas e sobre o passado dos texanos, e a relação difícil entre as etnias anglo-saxónica e hispânica. Apesar da predominância dos primeiros na estrutura da autoridade e no governo, o filme deixa transparecer que o Texas é uma terra que por direito é da etnia hispânica, os chamados “tejanos”. É a terra deles, os anglo-saxónicos vieram depois. E, no entanto, os “tejanos” são humilhados, aculturados, discriminados, e nós vemos a violência de tais práticas nas relações entre as personagens e na atitude brutal do xerife Wade. O roteiro tece estas considerações em torno de um esqueleto que é encontrado por acaso e que revela um crime não resolvido que pode ter ligação ao falecido xerife Buddy Deeds personagem muito querida na cidade. Encarregado da investigação, o filho dele e actual xerife não tem a mesma simpatia pelo pai e está determinado a descobrir o suposto lado sombrio do pai. Há ainda aqui algumas sub-tramas menos bem trabalhadas: o romance insípido entre o xerife e a professora, a corrupção e conveniência política por trás da construção de uma prisão desnecessária, a má relação entre um rígido comandante militar negro e o seu pai, dono de um bar…
O elenco conta com vários nomes bem conhecidos. Chris Cooper é um protagonista sólido, que faz um trabalho muito bem feito. Não é um actor que eu conheça muito bem, confesso que só o tenho visto fazer papeis relativamente secundários, mas agradou-me vê-lo a protagonizar um trabalho assim. Elizabeth Peña também não nos desaponta, e faz um trabalho satisfatório com a sua personagem, apesar de a sub-trama que a envolve poder soar um pouco inverosímil. Kris Kristofferson também faz um trabalho muito bom, convertendo o agente da lei num autêntico mafioso, carregado de preconceitos, brutalidade e arrogância. Stephen Mendillo, Clifton James e Mirian Colon também nos brindam com breves aparições e um trabalho bem feito.
John Sayles é um director que eu não conhecia até ver este filme. Do que vi aqui, gostei do seu trabalho: o director não nos brinda com uma pérola do cinema, mas dá-nos entretenimento de qualidade, associado a pontuais e certeiras alfinetadas políticas e sociais. O filme tem uma boa cinematografia, parece inclusive mais novo do que é, e o trabalho de câmara é realmente bom, especialmente nos flashbacks. A luz e a sombra são bem utilizadas e a banda sonora, apesar de não nos maravilhar, faz o seu trabalho.
Em 20 Mar 2023