Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme “gay friendly” com algumas qualidades, mas que parece inacabado nalguns aspectos importantes.**
Este tem sido um dos filmes mais queridos da comunidade transexual, muito embora me pareça óbvio que ser travesti e transexual não são coisas idênticas. Travesti é todo aquele que veste roupas do sexo oposto para se parecer com esse sexo. Transexual é todo aquele que acredita que devia ter nascido com o sexo oposto ao que possui, e que, não raras vezes, começa a fazer tratamentos médicos a fim de assumir o aspecto físico que desejava. O que têm em comum? Ambas são minorias de pouca expressão dentro do movimento “gay” e, apesar de darem nas vistas, têm reivindicações que por vezes contrariam as do movimento homossexual, levando a algumas fricções internas.
Nada disto importa realmente, mas ajuda a entender porque o grupo mantém este filme na lista dos seus favoritos. Filmado na Austrália, mostra-nos a viagem atribulada de uma trupe de travestis pelo deserto australiano até uma cidade remota, onde deverão ter alguns espectáculos. O filme tem um roteiro inteligente, onde as aventuras e desventuras do trio se cruzam com outras personagens caricatas e, claro, com a intolerância e a homofobia das comunidades rurais isoladas, onde o filme, “gay friendly”, aproveita para tecer certas críticas a estas atitudes. Infelizmente, o filme não nos dá mais do que isto, as personagens são pouco desenvolvidas e a sensação que fica é a de um projecto feito para agradar a um nicho de público e não para contar uma boa história.
O elenco tem na frente três nomes fortes que asseguram um protagonismo consistente: Terence Stamp, Hugo Weaving e Guy Pearce. Os três actores são apostas sólidas e fazem um trabalho muito decente com o material recebido, sendo que Pearce, mais extravagante e bizarro, é o que menos me satisfaz. A personagem que ele nos ofereceu é uma caricatura e não uma figura humana credível. É ele quem adquire o autocarro de turismo que vai ser usado na viagem, e que baptiza, bizarramente, de Priscilla, Rainha do Deserto.
A nível técnico, o filme não apresenta grandes notas de qualidade pelas quais mereça um louvor especial. Com um par de excepções: a primeira é o ‘design’ dos figurinos usados no filme pelo trio de actores principais, cheios de detalhes bizarros que aludem ao mundo do espectáculo; a segunda é a cinematografia, muito bem concebida e trabalhada, e na qual contribuíram largamente a escolha primorosa dos locais de filmagem desérticos e, ainda, o bom trabalho de filmagem e de luz.
Em 05 Apr 2024