Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme de terror realmente digno desse nome, com uma excelente tensão e um jogo psicológico perturbador, para dizer o mínimo.**
O cinema de terror está sobrecarregado de produções medianas ou más, e por isso acredito que temos todos os motivos para dar os parabéns a um trabalho que se consiga destacar e sair do meio da multidão pelos melhores motivos. Não vou cometer o erro que muitos dos críticos profissionais cometeram e desfazer-me em encómios grandiloquentes que põem este filme como a obra de terror da década, ou um dos filmes mais assustadores das suas vidas. Não vou fazer isso porque isso seria um tremendo exagero e injusto para diversos outros filmes de terror de qualidade. Mas sim, este é um filme muito, muito bem feito, e que vale cada centavo do bilhete de cinema. Eu vou seguramente recomendá-lo a amigos.
A acção decorre na Nova Inglaterra do século XVII, em meio às comunidades inglesas de religião protestante radical, os chamados Puritanos. O filme convida-nos a acompanhar uma família puritana que é excluída da comunidade por diferenças religiosas e forçada a viver na orla da civilização, numa pequena quinta à orla da floresta. Por qualquer motivo, eles não sentiram qualquer receio dos nativos ameríndios que habitavam aquelas regiões, nem neles pensaram quando coisas terríveis começaram a acontecer-lhes e o bebé da família é raptado. Para a mente ultra-religiosa e medrosa destas pessoas, não podia ser mais evidente que há uma bruxa diabólica, uma serva de Satanás, a perturbar-lhes a sua pacífica e cristianíssima existência. E claro, para gáudio do público, eles não podiam estar mais correctos! Como não sabem quem ela é, as desconfianças começam mesmo dentro de casa e desenvolve-se uma espécie de “febre da cabana”. Como tudo vai acabar? É melhor verem!
Vamos começar pela parte menos boa, que para mim se resume ao argumento escrito. A história é boa e é desenvolvida num período histórico apelativo, onde a histeria religiosa e a caça às bruxas foram verdadeiras. Isto é, se nós viajássemos no tempo e pudéssemos ir àquela região encontraríamos pessoas com atitudes e pensamentos semelhantes. Isto é óptimo e o argumentista/director Robert Eggers mostra que fez o trabalho de casa e leu alguns livros sobre a época e a mentalidade daquelas pessoas. Mas, como diz o povo, o Diabo está nos detalhes: mesmo ostracizados, eles tinham de se afastar tanto do povoado a ponto de se exporem a perigos? Por que motivo quase não há outras personagens?
Seja como for, eu consigo lidar bem com estes detalhes do argumento. A nível técnico, o filme tem grande solidez e apresenta-nos uma cinematografia muito bem feita, um excelente trabalho de filmagem que aproveita da melhor forma a luz das velas, o tom amarelado que exalam, e as sombras que deixam no ambiente. A banda sonora e os efeitos de som fazem muito pelo ambiente sombrio e tenso que o filme começa a construir logo desde o início. Não há um momento em que eu tenha sentido que estes elementos foram intrusivos ou omissos. O ‘suspense’ e a tensão dramática são magnificamente modelados ao longo de toda a acção, de maneira que nem sentimos o tempo a passar: estamos presos ao que estamos a ver, e queremos ver como vai terminar.
O elenco contribui enormemente para a qualidade do filme brindando-nos com soberbas interpretações dramáticas, cheias de tensão e autenticidade. Não podemos deixar de dizer que Anya Taylor-Joy, que rapidamente se assume como uma protagonista inequívoca, é merecedora de todos os aplausos que tem colhido com este seu trabalho, e que consolida a carreira ascensional que tem tido ao longo dos últimos anos. Ralph Ineson também não fica atrás e é provavelmente o que recebe a personagem mais complexa e difícil de fazer. Kate Dickie, por sua vez, leva a sua personagem numa gradual descida à loucura histérica, à medida que vê a sua vida despedaçar-se peça a peça. Harvey Scrimshaw e Ellie Grainger ajudam muito com o trabalho que fazem e não podem ser desconsiderados por causa das suas idades.
Em 13 Apr 2025