Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme com qualidades e realismo, e que merece ser revisitado.**
Jesus Cristo é a figura a que o cinema deu maior atenção ao longo da história. Podemos ou não ser crentes, mas Jesus é seguramente a pessoa com maior impacto na história da humanidade. Não há ninguém que não a conheça ou não saiba citar alguma coisa que terá sido dita por Ele, ou que não conheça o seu rosto (ou melhor, a forma como nós, europeus, começamos a retractá-lo, ignorando qualquer semelhança com o verdadeiro Jesus). Este filme surgiu na sequência do famoso “Passion of the Christ”, é uma sequela não-canónica, digamos assim. Sem surpresas, foca-se nos eventos que rodearam a ressurreição, e segue o tribuno romano a quem Pilatos encarregou de investigar esses relatos e, eventualmente, recuperar o cadáver desaparecido.
Obviamente, este filme não é dirigido a públicos ateus ou não-cristãos, pois assume como segura a ressurreição, a qual confirma a divindade de Jesus e dá cumprimento a todas as profecias em redor do messias aguardado pelo povo judeu. Todavia, apesar de um aroma subtil a proselitismo religioso implícito, não considero que seja um filme doloroso para o mais moderado dos ateus. A narrativa segue “a pari passu” os Actos dos Apóstolos, onde se faz o relato destes momentos entre a crucificação e a ascensão de Jesus ressuscitado ao Céu, em corpo e espírito. Sendo um bom conhecedor do texto e um católico devoto, estou razoavelmente satisfeito com a adaptação, que conta tudo da perspectiva dos romanos, e não dos cristãos.
Para um filme bíblico, é surpreendentemente discreto. Desde há alguns anos que os filmes de temática bíblica parecem ter abandonado qualquer pretensão épica, portanto não temos grandes efeitos e uma produção milionária. O director Kevin Reynolds procurou obter o maior realismo, e um retracto que parecesse autêntico e historicamente preciso. Louvo-lhe esse esforço e reconheço que, nesse campo, o filme tem méritos. Mesmo a figura de Jesus surge-nos despida de qualquer santidade óbvia durante a maior parte do tempo, e é a atitude dos seus seguidores que mais denuncia o seu impacto e estatuto. Os cenários e os figurinos são muito bons, não parecem baratos nem exagerados, e o recurso a filmagens em locais autênticos, em Espanha e Malta, aumenta a autenticidade. Nos pontos onde uma maior quantidade de dúvidas se levanta (por exemplo, a maneira exacta como crucificam Jesus), o filme procura seguir um retracto que seja realista e respeite o cânone oficial.
Joseph Fiennes fez um trabalho muito satisfatório como tribuno romano. O actor tem uma dose de charme que acentua o protagonismo e nos leva a segui-lo na sua busca. Ao seu lado, Tom Felton dá-nos um apoio bem-vindo e Peter Firth não nos decepciona no papel do infame governador Pilatos, procurando tornar a personagem num burocrata entediado, que procura cumprir a sua missão num canto particularmente espinhoso do Império. Cliff Curtis é um Jesus pacífico, sereno, carismático e magnético, mas particularmente humano e tangível. Antonio Gil, Maria Botto e Stewart Scudamore dão um contributo positivo no papel de algumas das figuras fundacionais do Cristianismo.
Surpreendentemente, o filme não vingou a longo prazo: foi um sucesso moderado tanto na bilheteira quanto na versão física, e recebeu críticas razoavelmente positivas…, mas sendo um filme de 2016, é surpreendente que não tenha tido qualquer visibilidade na Europa e hoje seja, virtualmente, desconhecido da generalidade do público europeu. Acho que, sem ser memorável, ainda tem qualidades que justificam a repescagem hoje em dia.
Em 14 May 2024