Autor: Filipe Manuel Neto
**Não é um filme perfeito, nem foi feito para o ser. Porém, é uma boa comédia, inteligente e boa para toda a família.**
Tenho muito respeito e apreço pelas comédias francesas, porque os franceses já mostraram que têm sentido de humor e sabem fazer rir nas comédias que vão fazendo. Foi assim com _Taxi_ em 1998, e muito mais recentemente com _Intouchables_. E agora, por mero acaso, tropecei neste delicioso filme, onde um simpático lavrador argelino procura realizar um sonho antigo: ir a Paris, com a sua querida vaca "Tarentaise" chamada Jacquelline, e apresentá-la na Feira Agrícola de França. O filme não tem nada de original, não é uma obra-prima, nem foi feito com a ideia de o ser. É, acima de tudo, uma boa peça de entretenimento.
É um filme que mistura de modo muito feliz a ingenuidade quase infantil de um sonho inocente com uma comédia de muito bom gosto, inteligente, por vezes com leves toques de ironia, muito adequada para um serão familiar e que promete agradar a todos, ou quase todos. O director Mohamed Hamidi, soube dar às personagens (e muito particularmente ao protagonista) força e simpatia, desenvolvendo-as adequadamente e sem perder muito tempo. O protagonista é muito agradável, simpático e é impossível não gostarmos dele, e da sua vaca, aparentemente meiga e expressiva. Pelo meio, vão surgindo outras personagens como a esposa do protagonista, o rival endinheirado e altaneiro, um aristocrata sem dinheiro, mas com coração generoso, e o cunhado que já vive em França há uns anos.
Fatsah Bouyahmed merece um aplauso pela forma como interpretou a sua personagem. Ele deu ao lavrador Fatah uma gentileza e uma ingenuidade que são quase difíceis de acreditar, mas que gostamos de sentir nas pessoas que são realmente boas. Lambert Wilson também não fica atrás com uma interpretação muito convincente e simpática de um homem educado e bem-nascido, mas a quem a sorte não tem sorrido, e que mostra bastante bem as dificuldades pelas quais as famílias da velha nobreza europeia têm passado, com a perda dos privilégios e a manutenção cada vez mais custosa das suas antigas casas de família. A marroquina Hajar Masdouki também esteve muito bem no seu papel. Confesso que achei estranha a relação das personagens, como marido e mulher, mas sendo uma cultura muito diferente da nossa, estou disposto a considerar a estranheza que senti como fruto desse “choque cultural”. Não gostei tanto de Jamel Debbouze e da sua personagem, confesso. Acho que, com a de Abdellah Chakiri, são as mais antipáticas do filme, mas a de Debbouze foi realmente mal desenvolvida.
Tecnicamente, o filme é discreto e eficaz. Não apresenta grandes efeitos nem cenários, mas faz bom uso dos locais de filmagem utilizados, todos em França (embora o filme se ambiente entre França e Argélia). A cinematografia é regular, mas funciona muito bem e as piadas são boas, são inteligentes, são muito adequadas aos mais jovens. Gostei especialmente de uma situação em que a personagem principal acaba por ser induzida a beber álcool e faz algumas asneiras, o que nos transmite uma interessante e profiláctica mensagem acerca dos perigos do consumo destas bebidas. O trabalho da câmara foi bom, a edição é adequada e o ritmo do filme é delicioso. Se há algo que não gostei particularmente foi o final… senti que o filme termina de modo súbito e excessivamente rápido, e que falta ali uma sequência que conclua o filme de modo mais suave: as cenas do retorno da personagem a casa poderiam ter sido usadas nesse sentido, ao invés de serem incluídas nos créditos finais.
Em 02 Sep 2022