Autor: Filipe Manuel Neto
**Intenso e incómodo, este filme disseca o fim de um casamento como nenhum outro.**
Ouvi falar tão bem deste filme que me senti obrigado a vê-lo, principalmente tendo em conta que é dirigido por Sam Mendes (um dos grandes directores da actualidade) e protagonizado por Kate Winslet e Leo DiCaprio, dois actores extraordinários. Tudo indicava ser um filme excelente… e aquilo que vim encontrar é mais que suficiente para satisfazer as minhas expectativas.
O filme é um drama familiar ambientado num subúrbio dos anos Cinquenta, uma das décadas mais interessantes para abordar estas questões tendo em conta as rápidas alterações na vida e nos hábitos das famílias norte-americanas, e a obsessão pelas aparências e pela vida perfeita, o que é particularmente palpável nas famílias suburbanas, sempre preocupadas com aquilo que os vizinhos vão pensar. O roteiro deste filme apresenta-nos uma família que não podia funcionar pior: após uma paixão rápida e fugaz, o casal Frank e April Wheeler não podia ser mais infeliz, suportando a custo um casamento conflituoso, empregos que odeiam e uma vida suburbana que, no seu íntimo, desprezam. Desejosa de mudar de vida, April pede que eles se mudem para Paris, na França, mas vários acontecimentos vão adiando a viagem, ao ritmo que o casamento de ambos se desmorona.
Este é um filme duro e difícil, que aborda dois temas principais de forma cáustica e incómoda: o primeiro e mais importante é o casamento, principalmente aqueles casamentos acomodados e sem amor, que se vão suportando ano após ano. O filme evidencia tanto as diferenças, por vezes irreconciliáveis, entre as personagens que chega a ser anti-romântico. O segundo grande tema a ser abordado é o "modus vivendi" das famílias suburbanas americanas nos anos Cinquenta, com as suas hipocrisias e obsessão pelas aparências e pela vida perfeita. Sam Mendes, de resto, fez um exercício crítico semelhante alguns anos antes, em *Beleza Americana*.
Kate Winslet e Leo DiCaprio são os actores em destaque neste filme. Eles são grandes amigos desde que protagonizaram “Titanic” e a sua amizade foi a base de uma profícua colaboração, em que ambos pedem sempre mais e melhor um ao outro, conscientes das suas capacidades e da excelente química que conseguem manter, tornando as cenas de amor em poesia e dando às cenas mais tensas uma electricidade palpável. Winslet empenhou-se particularmente, convicta de que o filme era uma boa ideia. Foi ela a responsável pela participação do amigo DiCaprio, a quem deu uma cópia do roteiro. O resultado é um dos trabalhos mais intensos, complexos e poderosos da sua carreira como actriz. Queria chamar também a atenção para os diálogos, em particular quando as duas personagens brigam. Há frases verdadeiramente poderosas, de uma dureza cruel que é difícil de ouvir, mas transpira credibilidade. Há também boas performances de actores como Michael Shannon ou David Harbour, mas sempre em terceiro plano.
O filme não é muito longo, mas desenvolve-se rapidamente, e logo nos primeiros minutos se vai percebendo o que temos pela frente: Sam Mendes mostra-nos uma briga conjugal dura e cheia de sarcasmo logo no início, impondo ritmo ao filme e desenvolvendo bem as personagens, bem como o pano de fundo social por onde se movimentam. Os cenários e figurinos são excelentes e reproduzem muito bem o ambiente suburbano da época, com a padronização da vida e gostos, homens vestidos de modo quase idêntico, mulheres com saias longas e a sempre preocupadas com a casa e o marido. A mentalidade da época e o contexto social fazem parte do filme como se fossem outra personagem: se considerarmos que aquele casamento fracassou pela covardia de não afrontarem as convenções com uma excitante viagem para um país onde poderiam viver sem tantas regras, o vilão acaba sendo o meio social hipócrita e restritivo onde eles viviam.
Em 19 Jun 2021