Autor: Filipe Manuel Neto
**Inacreditável.**
Neste filme, uma psiquiatra de uma casa de saúde descobre que o novo director que acaba de chegar, e acerca do qual ela sente uma imediata atracção romântica, sofre de perturbações psiquiátricas e não é quem diz ser, podendo mesmo estar envolvido num crime.
Só nesta descrição, o filme já tem problemas de credibilidade. Se nós tivermos em conta as preocupações de profissionalismo de profissões como a psiquiatria ou a psicoterapia, acho que é mesmo uma impossibilidade acontecer algo parecido com o que acontece neste filme. Não é por acaso que um psiquiatra recusa tratar um paciente sempre que há algum tipo de envolvimento ou de ligação. É algo que faz parte do código ético e deontológico deles. As atitudes e o comportamento da Dra. Constance, uma das personagens principais, numa situação real, são mais do que suficientes para suspender a autorização dela para praticar, no mínimo. Até me parece estranho que Hitchcock não tenha visto isso, mas esse não é o único problema. Todo o filme assenta em concepções erróneas acerca da interpretação psicanalítica de sonhos, bem como outras ideias profundamente erradas acerca da psicologia e psiquiatria. Fingir que isto não faz parte do filme nem prejudica a credibilidade da história contada apenas porque é Alfred Hitchcock que assina a realização parece-me uma atitude hipócrita.
As coisas não ficam melhores quando observamos a performance do elenco. Não está em causa o talento dos actores, mas eles não foram capazes de fazer um trabalho positivo porque o roteiro não era bom. Ingrid Bergman deu vida a uma terapeuta que confunde psicologia, psiquiatria e psicanálise, faz tudo o que não devia fazer e ainda se arrisca a ir presa por um homem que não conhece verdadeiramente; Gregory Peck é simplesmente inacreditável e estranho. Já nem quero falar nos "transes" quase hipnóticos que ele parece ter quando a personagem dele está a lembrar-se de alguma coisa. Michael Chekhov sai-se relativamente bem, mas tem pouco para fazer e a personagem dele é francamente secundária, e o mesmo se pode dizer de Leo G. Carroll, que é bom o suficiente mas não pode salvar o filme.
Alfred Hitchcock foi um dos maiores mestres do cinema. Isso é algo que me parece claro. Todavia, muitos dos seus filmes não foram, verdadeiramente, tão bons ou extraordinários. De facto, este filme tem pouco de extraordinário. O suspense está lá, não é o pior filme que ele já fez, mas falta muito para chegar ao nível de um "A Mulher Que Viveu Duas Vezes" ou um "Psico".
Em 05 Apr 2020