Autor: Filipe Manuel Neto
**Um bom filme feito em cima de um excelente livro.**
Era uma vez uma casa onde viviam quatro irmãzinhas muito simpáticas, cujo pai teve de ir para a guerra, e cuja mãe teve que arranjar um trabalho para ajudar a manter a casa. Isto parece o começo de uma história infantil muito sonsa, mas resume de uma penada a essência do começo do mais famoso e mais aclamado livro de Louisa May Alcott, uma escritora do século XIX que escrevia livros para mulheres e que o fazia de acordo com a mentalidade do tempo em que viveu, isto é, limitando-se às amenidades românticas, aos namoricos, às propostas de casamento e aos dramas familiares de um certo cunho moral.
Antes de falar do filme, permitam-me um pequeno aparte…
Com efeito, o livro de May Alcott tem sido criticado na actualidade pelas posturas algo conservadoras. Mas o que raios esperavam de um livro do século XIX, escrito por uma mulher do século XIX?? Se têm algum tipo de crítica a fazer, apanhem uma máquina do tempo! Isto não é caso isolado: instalou-se nas sociedades ditas democráticas uma certa propensão à censura póstuma de livros, peças, músicas e figuras históricas com base no facto de terem feito, dito ou escrito coisas que nós não gostamos, mas que, no contexto e na época se podem compreender. Pessoalmente, não vejo diferença entre criticar este livro pelo seu conservadorismo e editar peças de Shakespeare trocando termos, palavras e expressões que possam ferir as “virgens impolutas” do hipersensível século XXI. Do derrube de estátuas de generais confederados e pessoas que tiveram escravos à censura de livros, estamos a curta distância das ditaduras que outrora combatemos pela via das armas: estamos a veicular uma ideia da história que, mais grave do que ser parcial e “a preto-e-branco”, é altamente politizada e anacrónica. Deixem a história para quem pode explicá-la, entendam e expliquem as estátuas ao invés de as derrubarem, compreendam e aceitem as obras literárias e culturais ao invés de quererem reescrevê-las!
Quando o filme vai para o cinema, a produção tem duas opções: ou é rigorosamente fiel ao que lá está escrito, ou faz uma versão mais simpática, com umas coisitas novas, para os que querem desenjoar. Este filme não é fiel ao livro, troca a idade das irmãs e faz um conjunto de pequenas modificações. Nada disso reduz a qualidade do filme, que é muito recomendável e está bem feito. A direcção faz um trabalho notável, a cinematografia, de brilhantes e vívidas cores, é elegante e magnífica, os cenários e figurinos estão bem para o que se pede deles (mereceram o Óscar de Melhor Direcção de Arte) e a reconstituição da época é bastante satisfatória. A banda sonora é pautada por um pequeno conjunto de boas canções que vale a pena escutar.
Talvez seja no campo das interpretações que este filme merece maior destaque, porque é uma reunião de magnificas actrizes ao seu mais alto nível: foi incrível ver o talento que já existia na jovem Elizabeth Tailor, que nos rouba as atenções sempre que está perto, e Janet Leigh não lhe fica atrás com uma interpretação corajosa de uma personagem cheia de força. A pequena Margaret O’Brien é totalmente convincente na fragilidade e timidez da sua personagem e June Allyson acaba sendo a menos marcante das quatro “irmãs”. O elenco secundário conta com participações igualmente consistentes de C. Aubrey Smith e Mary Astor. Também gostei de Lucille Watson, é excelente como megera. Acho que os menos felizes acabaram por ser Peter Lawford, muito açucarado, e Rossano Brazzi, que me parece um erro de casting e um fraco galã.
Em 18 Nov 2023