Autor: Filipe Manuel Neto
**Um filme ambicioso, muito sólido e com muita qualidade, mas que se revelou esquecível.**
Eu sinceramente já perdi a conta aos filmes sobre Nixon que já vi. E entendo isso! Na história da instituição presidencial americana, poucos presidentes suscitaram tanta controvérsia. Ele foi um presidente que não só se dispôs a usar da totalidade do seu poder, como abusou dele. E os meios de comunicação social foram um dos seus maiores e mais temíveis inimigos. Neste filme, o ponto de originalidade é que o foco nunca é Nixon ou Watergate, mas as figuras principais do jornal The Washington Post nos tempos anteriores ao escândalo, quando foi processado pela Casa Branca. Não é uma originalidade surpreendente, mas é o bastante.
O roteiro tem as suas falhas, sendo uma delas talvez a tentativa de inserir o tema da igualdade de género em ambiente corporativo. Isso aparece quando vemos todos aqueles homens muito indecisos quanto a acatar ordens de uma mulher, ainda que ela seja indubitavelmente a patroa e a dona da empresa. Os anos 70 foram importantes para o movimento feminista, mas foi uma camada jovem e rebelde que protagonizou a década, e o papel das mulheres maduras, como a dona do Post, pode não ter sido valorizado como deveria. Contudo, o tema parece estar a mais no filme, e acaba francamente subdesenvolvido a partir do momento em que ela, basicamente, diz “o jornal é meu, eu é que dou as ordens e respondo por elas e quem não quiser obedecer pode sair”. Essa atitude forte simplesmente encerra o assunto. Quanto ao rigor factual, eu não sou a melhor pessoa para falar, não sei dizer se o filme faz justiça aos acontecimentos.
O ponto mais forte deste filme é, sem dúvida, a reunião de talentos. Steven Spielberg assegura uma direcção impecável e consegue dar-nos um filme sólido, que será sempre, contudo, uma obra consideravelmente menor na sua filmografia. A somar, temos ainda num elenco de fortes actores, com provas dadas, liderado por Tom Hanks e Meryl Streep. E creio que não preciso de dizer que este filme também não é um trabalho particularmente memorável para nenhum dos dois. Talvez, porém, o filme tenha representado um bom encaixe financeiro para os três, assim como representou, certamente, um privilégio para o restante elenco, que teve a oportunidade de os ver trabalhar e, eventualmente, aprender algo mais, alguma daquelas coisas que não se aprendem nos cursos de dramatização, mas através da experiência prática.
Tecnicamente, é um filme agradavelmente morno. Aquela terceira chávena de chá que esperou demais no bule e acabou mais fria, mas também mais densa. É a melhor metáfora para vos dar a entender o que eu penso: o ambiente e o tema do filme conferem-lhe densidade e tensão, o que, no entanto, não o torna enervante porque isso é feito de modo muito moderado, servido a frio. Há um esforço de recriação de época que fica bem, mas era necessário e não podia ser ignorado. A banda sonora, a cargo de Williams, é esquecível, para não dizer medíocre (tendo em conta a capacidade do compositor). Há certa ambição no projecto. Os produtores sabiam que estavam a fazer um filme forte, mas o resultado final não ficou tão bom quanto seria desejável, nem se revelou memorável.
Em 08 May 2023